São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2005

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INFÂNCIA

Filhos de brasileiros que deixaram cidade do interior de São Paulo para trabalhar no Japão são criados por avós

Falta dos pais deprime crianças em Bastos

DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

É quando a noite chega que Gustavo Hoshijima, 8, sente mais falta dos pais. Lembra que estão do outro lado do mundo e, para diminuir a saudade, se afunda na almofada até conseguir dormir.
A tristeza do menino é comum em Bastos (549 km de São Paulo), onde grande parte das crianças é criada pelos avós, já que seus pais, descendentes de japoneses, foram tentar a sorte no Oriente.
A depressão vem preocupando professores e especialistas do município. A psicóloga Mary Yoko Okamoto, de Tupã, cidade vizinha, está fazendo sua tese de doutorado na PUC-SP sobre o problema. "Me assustei quando descobri que a depressão infantil em Bastos vem aumentando rapidamente", conta. "Fui atrás das causas e descobri que as crianças ficam tristes porque não têm os pais por perto. Avós e tios, por mais que dêem carinho, não conseguem substituí-los", afirma.
A psicóloga ainda não começou a quantificar a doença, mas já sabe que ela está se tornando tão comum que até as escolas estão preocupadas. "Os colégios contrataram especialistas para lidar com o problema. Ainda há resistência à terapia, mas os casos mais graves já estão sendo cuidados."
Todos os anos, cerca de 800 moradores da cidade vão trabalhar no Japão e por lá ficam, em média, oito anos. Com tanto tempo de distância, diz Mary, a construção da personalidade das crianças fica comprometida e muitas entram em depressão. "Os avós são de uma geração muito distante, não têm mais pique por causa da idade e não há tanto diálogo."
Gustavo ganhou o campeonato de beisebol no ano passado. Seu pai não estava lá para ver, mas ele guardou o troféu e espera o dia em que poderá mostrar sua vitória. Sua avó, Tire Hoshijima, 56, acompanha todos os treinos, mas sabe que não pode substituir a mãe. "A gente faz companhia um para o outro, mas ele sente saudades. Quando o Gustavo fica muito triste, telefonamos para o Japão e ele melhora um pouco", diz.
Graças a uma câmera de vídeo acoplada ao computador e à ajuda de uma psicóloga, Jéssica Almeida Gohara, 14, contornou a falta dos pais. Ela escreve e-mails e observa a mãe pela internet. Jéssica e o irmão, Leonardo, 12, não vêem os pais há cinco anos. Na sala de casa, caixas do correio japonês, que chegaram com presentes, insistem em lembrar a distância. "A gente acaba se acostumando", conta Leonardo. "Mas senti falta deles na formatura da 4ª série."
No Colégio São José, onde 20% dos alunos têm pais que moram no Oriente, os alunos que não têm com quem passar o Dia das Mães nem dos Pais comemoram o Dia da Família. A data, que há quatro anos ocorre em um sábado de maio, reúne os parentes dos estudantes para brincadeiras e comilanças. "Percebemos que, quando chegava o Dia das Mães, os alunos que tinham pais no Japão não participavam. Eles se sentiam sozinhos", conta o diretor da escola, Cláudio Kazuo Yoshida.
A ligação de Bastos com o Oriente é percebida logo na entrada do município, onde uma agência de empregos no Japão anuncia as facilidades. Não é preciso ter dinheiro para a passagem: ela é descontada do holerite, assim que o viajante começa a trabalhar lá.
Nas repartições públicas, mais um sinal: cartazes explicam como receber a restituição do imposto de renda mesmo de tão longe.
A capital do ovo, título que a cidade ostenta com orgulho por produzir 5,5 milhões de unidades por dia, deveria ser a capital da emigração japonesa. Tanta gente foi embora que hoje só 40% da população tem descendência nipônica. Há 20 anos, beirava 80%.


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