São Paulo, segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

BICHOS
SÍLVIA CORRÊA correa-silvia@uol.com.br

Amigo da onça


Cachorro que salvou família de onça morre horas depois de doença do carrapato; o outro espera tratamento

Madrugada. A família dormia quando os cães se puseram a latir sem parar. Seu Wilson se levantou. A casa, na periferia paulistana, ainda está em construção. E, sem portas nem janelas, ninguém dorme tranquilo por ali. Ele viu o problema pelo vão das madeiras: uma onça estava no quintal, com Neguinho e Snoopy.
A família chamou os bombeiros, que chegaram com as equipes de TV. A notícia foi manchete: "Cachorro salva família de onça no Jaraguá".
Snoopy latiu duas horas -entre o telefonema e o socorro. Já Neguinho sumiu. Lançado longe por uma patada da onça, caiu sobre uma pilha de madeiras e se escondeu.
Era o começo de uma longa quinta-feira de fotos e gravações para a TV. Seu Wilson quase não foi trabalhar. À tarde, a família notou que Neguinho não estava bem. Refugiado em sua casinha, chorava e tinha a barriga coberta por hematomas.
Seu Wilson ficou preocupado. Mas, com o salário de motorista, ele sempre se viu obrigado a tratar os "meninos" por conta própria. Essa não seria a primeira vez.
Há seis anos, ao chegar em casa da festa do Natal, deu de cara com a rua ensanguentada. Ficou nervoso. O bairro tem uns probleminhas de segurança, e ele pensou que alguém tinha sido assassinado. Aí viu um cachorro branco caído. Tinha sido esfaqueado na perna, e o sangue jorrava. Em volta dele, outro cachorro, Neguinho, andava em círculos. Seu Wilson colocou os dois para dentro e seguiu a receita da mãe: estancou o sangue com pó de café. Aos poucos, Snoopy, como foi batizado, foi se recuperando. Mas bastou apoiar a pata para sair correndo atrás de uma moto e ser atropelado na frente da casa. Lá se foi seu Wilson, mais uma vez, cuidar dele.
Sem fraturas, Snoopy reagiu. Voltou a rolar com Neguinho pelo quintal e fuçar lixos pela rua. Numa dessas, achou um osso... recheado de chumbinho. Dividiu o banquete com Neguinho e Fadinha -a mais antiga da casa, que não resistiu. Snoopy e Neguinho se salvaram -dessa vez, segundo seu Wilson, graças à mistura de leite com óleo de soja.
A dupla era conhecida na vizinhança. Todos os dias, no final da tarde, corriam até a esquina ao ver seu Wilson chegar. O dono retribuía catando os carrapatos dos "meninos". Foi assim até o dia da onça. Depois da patada, seu Wilson deu a Neguinho os remédios que tinha em casa, mas o cão só piorava. E a família pediu ajuda aos jornalistas.
Neguinho foi levado ao hospital, e o exame indicou que ele tinha só 5.000 plaquetas, células que evitam que o corpo sangre sem parar. Normalmente, são mais de 200 mil. E uma das doenças que causam o problema é transmitida por carrapato.
Neguinho morreu naquela madrugada. E Snoopy passou a dormir dentro de casa, porque vive chorando pelos cantos.
Isso já faz alguns dias, mas seu Wilson não perde a fé. Ele não acredita que um cão que sobreviveu a facada, veneno e atropelamento vá morrer de carrapato. Para ele, a onça veio para trazer sorte: para dar tempo de salvar a vida de Snoopy.



Texto Anterior: Em Cumbica, mala terá de ser devolvida em até 18 min
Próximo Texto: A cidade é sua
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.