São Paulo, domingo, 24 de novembro de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Readaptação à família é desafio de projeto em Manaus

KÁTIA BRASIL
DA AGÊNCIA FOLHA, EM MANAUS

A readaptação ao lar após muito tempo passado nas ruas é o maior desafio apontado pelo Programa Criança Urgente, da Prefeitura de Manaus, que procura ""resgatar" meninos e meninas de rua.
O problema maior é que os menores geralmente vêm de famílias desagregadas, nas quais a violência e a miséria são fatores recorrentes. A rua, com todos os seus perigos, às vezes é mais tentadora aos olhos das crianças.
"Nas ruas, eu gostava da liberdade porque era totalmente diferente da minha casa. Nas ruas, só aprendi fazer coisa que não prestava, nunca dormi, ficava o tempo todo acordada com medo que me estuprassem, mas quando voltava pra casa eu apanhava."
Com essa frase, N.F.S.C., 12, descreve o que a manteve nas ruas de Manaus dos 9 aos 11 anos. Ela chegou a ser acorrentada e ter sua cabeça raspada pela mãe, a vendedora de café M.C.R.S., 30, para que não fugisse.
N. é uma das 274 crianças reintegradas, desde 1999, pelo Criança Urgente. A assistente social Iara Barroso de Vasconcelos Dias, coordenadora do Centro de Convivência da prefeitura, afirma que as crianças e adolescentes participam de oficinas profissionalizantes, praticam esportes e também fazem terapia -que atende os pais também.
Mas o fundamental para assegurar o retorno definitivo ao lar é o trabalho direcionado à família. "Algumas famílias não faziam questão dos menores no lar, outras, uma minoria, se empenharam no programa para nos ajudar", afirma a assistente social.
Das crianças resgatadas das ruas, 131 recebem bolsa-auxílio que varia de R$ 126 a R$ 180. Hoje, 26 menores atendidos ainda vivem nas ruas de Manaus.
A adolescente N. mora numa palafita do beco São Francisco, no bairro da Cachoeirinha. Lá ela divida os dois pequenos cômodos com mais quatro irmãos, a mãe e o padrasto.
Em condições difíceis vivia também P.R.A.M., 14, que fugiu de casa com apenas nove anos. Ela voltou no ano passado, mas ainda sofre inapetência devido ao uso de drogas como solventes. Ela mora num quarto no bairro Compensa com a mãe, a viúva R.A.L., 34, e os quatro irmãos.
Outro ""resgatado", F.W.Q. J., 12, saiu de casa com seis anos e voltou para a escola e para a família aos dez. Ele afirma que não tinha problemas com o padrasto, mas achava que sua mãe, a funcionária pública S.Q. J., 28, "pegava no seu pé". Eles e mais seis crianças moravam numa casa de dois quartos no bairro Redenção. A mãe afirma que sempre se culpava: "Meu filho estava na rua. Que espécie de mãe era eu?"

Agressão
Já a mãe de N. afirma que a filha não queria limites. "Ela não queria limite, não fazia as tarefas, queria muita liberdade. Mas hoje reconheço que espancava meus filhos. Não tenho marido, me sentia pressionada", diz C..
R., após a terapia, defende o diálogo. "Ela já foi envolvida com drogas e não tenho certeza se ela parou [de usar", por isso que não adianta trancar ela de uma vez, a conversa franca me fez conquistá-la", diz. Tanto sua filha P. como N. e F. recebem bolsa mensal no valor de R$ 151.
O psicanalista e professor da UFA (Universidade Federal do Amazonas) Manoel Dias Galvão aprova a ação de R.. "Os pais têm que entender que só proibir não funciona", analisa.
Com dez anos à frente do Juizado da Infância e Juventude de Manaus, o juiz Rafael Romano afirma que o poder público não só deve reintegrar os menores às famílias, mas oferecer oportunidades de entretenimento e qualidade de ensino.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Menino de 4 anos se perdeu em SP
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.