São Paulo, sábado, 24 de dezembro de 2005

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LETRAS JURÍDICAS

Confusão legislativa continuou em 2005

WALTER CENEVIVA

COLUNISTA DA FOLHA

É impossível resumir o universo jurídico de 2005 nas minhas 53 linhas de texto. Cabe a pobre substituição pela síntese arbitrária e episódica de alguns fatos relevantes. Dou um exemplo: a primeira lei federal publicada em 2005 teve o número 11.087 e a última (que só poderemos conhecer nos primeiros dias de 2006) poderá estar próxima do número 11.220. No mesmo período, o governo federal deve chegar a 40 medidas provisórias e aos 280 decretos. Serão perto de 460 normas no ano, ou seja, cerca de duas a cada dia útil, apenas entre as federais. Avaliar a produção legislativa apenas pelo critério quantitativo oferece problema sério, ilustrada por uma curiosidade esclarecedora. Neste ano houve leis, desde as muito estranhas (instituição do dia de combate à biopirataria e dia nacional do forró), até as de pleno interesse geral (leis do salário mínimo, de alterações do Código Penal e Lei da Recuperação Social e de Falências).
No campo da mutável interpretação penal dos tribunais, a mídia teve dificuldade de compreender a lei na repercussão dramática da liberdade dos homicidas do casal Richthofen em São Paulo, inclusive da filha das vítimas. Houve controvérsia na negativa da libertação da idosa Iolanda, em contraste de situações resolvidas apenas nesta semana, ante o agravamento das condições dela. A política legislativa em matéria criminal continua a ser agitada por impulsos. Basta surgir um fato escandaloso e logo aparecem propostas de novas leis mais severas. Na órbita civil e comercial, a chamada desconsideração da pessoa jurídica gerou surpreendentes bloqueios de contas bancárias, em particular na Justiça do Trabalho, em exageros que os tribunais superiores deverão corrigir, pois a lei não diz o que muitos juízes têm aplicado.
2005 foi cruel com os devedores em execuções tributárias, civis ou comerciais. O nome do executado vai para os serviços de crédito pela simples entrada da ação. Gera óbvias dificuldades creditícias e bancárias. Os tribunais têm representado bem o interesse dos credores.
Contraditoriamente, não mostram interesse especial em resolver o calote passado pelos devedores públicos. INSS, o DNER, Caixa Econômica Federal, entre outros, não pagam o que devem. Está na mesma linha o Estado de São Paulo. A lei existe. Mal aplicada, beneficia o Poder Executivo e suas entidades.
Novidade de 2005 foi a aplicação da Emenda Constitucional nš 45/04, a chamada reforma do Judiciário que, entretanto não mereceu o nome. O verbo reformar tem uns 20 significados diferentes, mas, no que interessa, define a ação de formar de novo, reconstruir, aprimorar. A Emenda 45 manteve a atividade judicial em moldes muito semelhantes aos antigos, mas a criação do Conselho Nacional da Justiça foi inovadora. Parece destinada a produzir bons resultados. Pensada em termos geras, a emenda pode estimular leis novas que aprimorem a prestação da justiça, embora o Parlamento não tenha demonstrado vontade de pôr o dedo na ferida.
As decisões nacionais mais importantes na produção legal continuam nas mãos do Executivo, mesmo as referentes ao Judiciário e ao Legislativo. Afinal, o presidente da República, os governantes e os prefeitos são os grandes criadores de leis e medidas legislativas, algumas delas não constitucionais, sem resistência sensível ou útil oposta pelos outros dois poderes. Perspectiva para 2006? Difícil de enunciar. No mundo globalizado, de interesses conflitantes, há interdependência das nações. Até no nível internacional elaboração legislativa exigiria mais cuidado e atenção do que lhe temos dado.


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