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LETRAS JURÍDICAS
Confusão legislativa continuou em 2005
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
É impossível resumir o
universo jurídico de 2005 nas
minhas 53 linhas de texto. Cabe a
pobre substituição pela síntese arbitrária e episódica de alguns fatos relevantes. Dou um exemplo:
a primeira lei federal publicada
em 2005 teve o número 11.087 e a
última (que só poderemos conhecer nos primeiros dias de 2006)
poderá estar próxima do número
11.220. No mesmo período, o governo federal deve chegar a 40
medidas provisórias e aos 280 decretos. Serão perto de 460 normas
no ano, ou seja, cerca de duas a
cada dia útil, apenas entre as federais. Avaliar a produção legislativa apenas pelo critério quantitativo oferece problema sério,
ilustrada por uma curiosidade esclarecedora. Neste ano houve leis,
desde as muito estranhas (instituição do dia de combate à biopirataria e dia nacional do forró),
até as de pleno interesse geral (leis
do salário mínimo, de alterações
do Código Penal e Lei da Recuperação Social e de Falências).
No campo da mutável interpretação penal dos tribunais, a mídia teve dificuldade de compreender a lei na repercussão dramática da liberdade dos homicidas do
casal Richthofen em São Paulo,
inclusive da filha das vítimas.
Houve controvérsia na negativa
da libertação da idosa Iolanda,
em contraste de situações resolvidas apenas nesta semana, ante o
agravamento das condições dela.
A política legislativa em matéria
criminal continua a ser agitada
por impulsos. Basta surgir um fato escandaloso e logo aparecem
propostas de novas leis mais severas. Na órbita civil e comercial, a
chamada desconsideração da
pessoa jurídica gerou surpreendentes bloqueios de contas bancárias, em particular na Justiça do
Trabalho, em exageros que os tribunais superiores deverão corrigir, pois a lei não diz o que muitos
juízes têm aplicado.
2005 foi cruel com os devedores
em execuções tributárias, civis ou
comerciais. O nome do executado
vai para os serviços de crédito pela simples entrada da ação. Gera
óbvias dificuldades creditícias e
bancárias. Os tribunais têm representado bem o interesse dos
credores.
Contraditoriamente, não mostram interesse especial em resolver o calote passado pelos devedores públicos. INSS, o DNER, Caixa
Econômica Federal, entre outros,
não pagam o que devem. Está na
mesma linha o Estado de São
Paulo. A lei existe. Mal aplicada,
beneficia o Poder Executivo e
suas entidades.
Novidade de 2005 foi a aplicação da Emenda Constitucional nš
45/04, a chamada reforma do Judiciário que, entretanto não mereceu o nome. O verbo reformar
tem uns 20 significados diferentes,
mas, no que interessa, define a
ação de formar de novo, reconstruir, aprimorar. A Emenda 45
manteve a atividade judicial em
moldes muito semelhantes aos
antigos, mas a criação do Conselho Nacional da Justiça foi inovadora. Parece destinada a produzir bons resultados. Pensada em
termos geras, a emenda pode estimular leis novas que aprimorem
a prestação da justiça, embora o
Parlamento não tenha demonstrado vontade de pôr o dedo na
ferida.
As decisões nacionais mais importantes na produção legal continuam nas mãos do Executivo,
mesmo as referentes ao Judiciário
e ao Legislativo. Afinal, o presidente da República, os governantes e os prefeitos são os grandes
criadores de leis e medidas legislativas, algumas delas não constitucionais, sem resistência sensível
ou útil oposta pelos outros dois
poderes. Perspectiva para 2006?
Difícil de enunciar. No mundo
globalizado, de interesses conflitantes, há interdependência das
nações. Até no nível internacional elaboração legislativa exigiria
mais cuidado e atenção do que
lhe temos dado.
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