São Paulo, quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PASQUALE CIPRO NETO

"...a universidade que você se inscreveu"


Nem os tais teóricos pensam dessa maneira; quando escrevem suas "teses", não empregam essas construções

IMAGINO QUE boa parte do leitorado já esteja se preparando para as comemorações natalinas. Para algumas pessoas, no entanto, as águas talvez não estejam tão doces. Refiro-me aos jovens que, passadas as "festas", estarão diante de provas e mais provas. Que tal, então, ver uma das questões da recentíssima prova da Fuvest (primeira fase)?
Vamos lá, pois. Escolhi uma questão rasa, das que exigem o domínio básico da norma culta. O enunciado é curto e grosso: "A única frase que segue as normas da língua escrita padrão é:". Eis as alternativas: "a) A janela propiciava uma vista para cuja beleza muito contribuía a mata no alto do morro"; b) "Em pouco tempo e gratuitamente, prepare-se para a universidade que você se inscreveu"; c) "Apesar do rigor da disciplina, militares se mobilizam no sentido de voltar a cujos postos estavam antes de se licenciarem"; d) "Sem pretender passar por herói, aproveito para contar as coisas as quais fui testemunha nos idos de 1968 e que hoje tanto se fala"; e) "Sem muito sacrifício, adotou um modo de vida a qual o permitia fazer o regime recomendado pelo médico".
O caro leitor já sabe qual é a correta? Antes da resolução, um pequeno comentário: o cerne da questão, presente nas cinco frases, é a regência, que, como se sabe, diz respeito às relações que se estabelecem entre as palavras e as orações. Em "Gosto de poesia", por exemplo, o verbo "gostar" rege a preposição "de". Nas frases da Fuvest, os mecanismos de regência são pouca coisa mais complexos, já que em alguns casos entra em cena o bendito pronome relativo.
Vejamos, por exemplo, a frase "b", em que há o passo "universidade que você se inscreveu", típico das variedades informais da língua. Fato semelhante ocorre em "A gasolina que você pode confiar", "A firma que meu pai trabalha", "Os países que eu estive/fui", "A rua que eu moro", "As matérias que você optou" etc. Embora alguns teóricos defendam a ideia de que isso já faz parte da língua culta (porque, de acordo com eles, essas construções já se encontram nos registros formais da língua), as bancas examinadoras não pensam dessa maneira. Na verdade, nem os tais teóricos pensam dessa maneira, porque, quando escrevem suas "teses", não empregam as construções que consideram formais.
Pois bem. Voltemos à frase "b". Se alguém se inscreve, inscreve-se em (ou para), portanto a construção adequada à escrita padrão é "...universidade em que ("na qual", "para a qual') você se inscreveu".
E a frase "c"? Nem pense nela. Além do surrado (e chato) "no sentido de" com o sentido de "a fim de", "para", há a impertinência do relativo "cujo". A forma adequada à escrita padrão é esta: "...se mobilizam para ("a fim de') voltar aos postos em que estavam...".
Vamos à "d". Se alguém é testemunha, é testemunha de algo; se alguém fala, fala de (ou sobre algo). Vamos lá: "...coisas de que ("das quais') fui testemunha nos idos de 1968 e de que ("das quais", "sobre as quais') hoje tanto se fala".
E agora? Qual é a resposta? É a "a" ou é a "e"? Nada de "e". Nela, o pau come solto. Problemas e problemas. O "a qual" é descabido, já que o que se substitui ali é "modo de vida", e não "vida". A regência de "permitir", então... Permite-se algo a alguém, portanto nada de "o permitia fazer o regime". Vamos lá: "...um modo de vida o qual ("que') lhe permitia fazer o regime...".
Na "a", destaque-se o correto uso de "cuja" ("cuja beleza" -a beleza é da vista, é dela) e da preposição "para", regida por "contribuir" (esse verbo rege "para" para introduzir o beneficiário do processo -a mata no alto do morro contribui para a beleza da vista). É isso.

inculta@uol.com.br


Texto Anterior: Gilmar Mendes solta Roger Abdelmassih
Próximo Texto: Trânsito: No Ibirapuera, Zona Azul será suspensa no Natal e Ano Novo
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.