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Artista dizia ter sido salvo do tráfico pelo rap
MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL
Sabotage sabia claramente que
era um sobrevivente do Vietnã
que avança pela periferia de São
Paulo. Vivia repetindo: "Foi o rap
que me salvou. Todos os meus
primos, meus tios, meus amigos,
é tudo traficante. Eles me davam
dinheiro para eu não traficar. Não
queriam que eu caísse nessa vida". Exibia sua escapada do tráfico como uma medalha de guerra:
"Consegui", era o subtexto, "porque tenho talento".
Os tios de Sabotage, segundo o
rapper e ator, traficavam na favela
do Buraco Quente, no Brooklyn
(zona sul de São Paulo). Ele contava, sem qualquer constrangimento, que havia sido "avião", o garoto que leva a droga até os "playboys", como os chamava, que paravam seus carros na favela.
Dizia que passou pela Febem
(Fundação para o Bem-Estar do
Menor) e que ficou preso por oito
meses num distrito porque os policiais sabiam que seus tios comandavam o tráfico na favela.
Mostrava uma queimadura em
forma de colher no braço, que policiais teriam feito para que entregasse seus parentes. Dizia ter suportado a tortura em silêncio. Sabotage contava que só não foi parar no Carandiru porque deu dinheiro aos policiais.
Em 2002, ele voltaria ao presídio
em outra condição -como figurante de "Carandiru", filme de
Hector Babenco baseado no livro
de Drauzio Varella, com lançamento previsto para abril.
O rapper conhecia o Carandiru
com certa intimidade -Monarca, um dos presos mitológicos de
lá, era seu tio e estava encarcerado
desde 1973, ano em que o músico
nasceu.
Sabotage não era um figurante
qualquer. Após o lançamento de
"O Invasor", de Beto Brandt, tornara-se uma daquelas promessas
que todos torcem para dar certo
por razões que extrapolam a mística envolta em todo miserável
que escapa do círculo da miséria:
seu talento, sobretudo como cantor e compositor, era cristalino.
Conseguia fascinar desde os Racionais MCs, que bancaram o primeiro CD de Sabotage, até músicos mais experimentais, como Rica Amabis e o coletivo chamado
Instituto.
No CD do Instituto, lançado no
ano passado, Sabotage criou um
híbrido de rap e samba que soava
natural, como se o ritmo do samba já trouxesse de berço as linhas
faladas do rap.
Sabotage encantava pela sinceridade. Durante as filmagens de
"Carandiru", Hector Babenco
compôs um rap junto com ele.
Quando lhe perguntavam sobre o
resultado, dizia que tinha ficado
"legal", sem muito entusiasmo.
Ao explicar as razões do desânimo, ele não vinha com evasivas:
"Tem umas palavras aí na parada
que eu não tô sabendo".
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