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SP 449
VIOLÊNCIA E TRÂNSITO IRRITAM O MORADOR DA CIDADE PLURAL
PALOMA COTES
AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL
Se São Paulo fosse como os paulistanos gostariam que fosse, a cidade não daria um bom filme
nem teria chances de existir. A vida agitada, a ebulição, a diversidade e o intenso movimento cultural -que os paulistanos destacam- não combinam com o
trânsito tranquilo, com o qual sonham. Da mesma forma que a cidade aberta 24 horas -que a
maioria elogia- e as diferenças
sociais são um convite e um cenário propício à violência, que todos
querem ver eliminada.
A Folha perguntou a 53 personalidades paulistanas o que mais
gostam e o que mais detestam na
cidade. De uma maneira ou de
outra, todas se queixaram da segurança. E 12 delas citaram a violência como o mal que mais atormenta a cidade. Vários, como d.
Pedro Luiz Stringhini, bispo do
Belém, na zona leste, já foram assaltados; ele mesmo, três vezes.
"Não gosto de ter que conviver e
negociar com o medo", diz a apresentadora Marília Gabriela.
Parados no trânsito
O trânsito vem logo em seguida,
com 11 queixas. "O trânsito é irritante, violento, desumano", diz o
titã Paulo Miklos, que perdeu o
amigo Marcelo Fromer atropelado por uma moto.
Guilherme Faiguenboim, diretor do sistema Anglo de ensino,
diz que tiraria "os ônibus vazios
que circulam pela cidade". E João
Paulo Capobianco, fundador do
SOS Mata Atlântica, diz que "o
exagerado número de veículos",
além de poluir, impede que se
chegue a espaços públicos interessantes. Para o urbanista e vereador Nabil Bonduki (PT), a "riqueza concentrada" em áreas da
cidade obriga as pessoas a se deslocarem, o que exigiria transporte
público de melhor qualidade.
Mas o trânsito não seria um dos
piores problemas de São Paulo,
segundo especialistas. Ailton Brasiliense, diretor do Denatran (Departamento Nacional de Trânsito), diz que a violência, "resultado
de uma decomposição social e da
perda de valores", é mais difícil de
resolver. Roberto Scaringella,
fundador e ex-presidente da CET
(Companhia de Engenharia de
Tráfego), também considera a
violência o maior problema.
Do lado bom, a diversidade, a
oferta cultural, a pluralidade, a culinária e a cidade que não fecha foram citadas por quase todos os
entrevistados. Tem gente que elogia as bancas de jornais que funcionam 24 horas, como a apresentadora de TV e jornalista Soninha,
ou a "solidariedade" dos paulistanos, citada pela empresária Milú
Villela, militante do voluntariado.
Sem estrelas
O padre Antonio Luiz Marchione, o padre Ticão, disse admirar a
garra das "pessoas que pisam no
barro para construir uma cidade
mais humana e acolhedora". São
Paulo se traveste segundo as vivências e o olhar de seus moradores. O professor e infectologista
Vicente Amato Neto, 75, que até
hoje dirige um time de futebol de
médicos, lamenta os estádios da
cidade, "poucos e pequenos".
José Augusto Lourenço, presidente do sindicato das escolas
particulares do Estado, se queixa
da poluição que o impede de ver o
céu. "O que eu gostaria é ter na cidade um céu estrelado." Ligia Kogos, dermatologista de VIPs paulistanos, elogia a "sofisticação
científica" da cidade e lamenta a
falta de educação das pessoas.
Os pernilongos picam e irritam
Edgard Scandurra, músico do
Ira!, e o que ele mais detesta é a
feiúra dos rios Tietê e Pinheiros,
"malcheirosos", e o trânsito engarrafado de suas marginais.
A falta de estética urbana, a poluição visual e a ocupação desordenada da cidade aparecem nas
queixas de vários entrevistados. O
publicitário Celso Loducca compara São Paulo a uma "pessoa que
não se gosta muito, não se veste
bem, não penteia o cabelo".
O estilista Alexandre Herchcovitch reclama da sujeira e da poluição. "Tem gente que acha que
as ruas são um cesto de lixo." O
ator Cássio Scapin diz que "faltam
latas de lixo". "Não há programação visual. A cidade fica enfeiada
com cartazes e anúncios."
Adolpho José Melfi, reitor da
USP, cita os buracos das ruas que
já estouraram um pneu de seu
carro, deixando-o sozinho e em
risco na marginal Pinheiros.
O DJ Patife acha feio mesmo o
aeroporto de Congonhas, "velho e
ultrapassado", que, se pudesse,
eliminaria do solo paulistano.
Henry Sobel, presidente do rabinato da Congregação Israelista
Paulista, diz que quando chegou a
São Paulo, há 33 anos, achou a cidade horrível, suja, cinzenta, caótica. "Hoje, ainda acho, só que aos
meus olhos é linda, dinâmica, fascinante." Suely Riviera, promotora da Infância e da Juventude, detesta "a falta de planejamento urbano, a falta de cuidado e as desigualdades de renda e moradia".
A segregação da cidade e suas
desigualdades foram lembradas
por vários entrevistados como o
pior de São Paulo. A beleza de
parques como o Ibirapuera, citada em quatro respostas, nada tem
a ver com a feiúra e a desordem
das grandes artérias de trânsito
que levam para a periferia, como
as estradas do M'Boi Mirim e a
das Lágrimas, na zona sul.
O roteiro e a efervescência cultural elogiados pela maioria não
agitam as áreas periféricas, lembraram alguns. "Mesmo o acesso
aos bons locais públicos é limitado a quem tem mais recursos financeiros", diz Suely Riviera.
A VJ Marina Person, da MTV,
diz não gostar do lado paulistano
de cobrar por tudo. "Não há possibilidades nem opções gratuitas
de lazer, transporte, parques."
Mãe e filho, a prefeita Marta Suplicy (PT) e o músico Supla, não
gostam do "contraste entre a riqueza e a pobreza". "Lutamos para mudar isso", diz Marta.
A miséria "dá dor no coração",
diz Supla. Para o marido de sua
mãe, Luis Favre, o pior de São
Paulo "é a coexistência entre a miséria e a riqueza".
A escritora Fernanda Young
trocou o Rio por São Paulo "por
ser muito branca" e para fugir do
selo "praiano" carioca. "Gosto
das pessoas aqui, são profissionais e modernas."
Quanto mais louco...
O ritmo alucinante da cidade,
que afugenta muitos, é para outros inspirador e instigante. "É
um ritmo gerador de criação", diz
Favre. Neusa Maria, uma das
coordenadoras da Parada Gay e
artesã, afirma que são o ritmo e a
vida noturna agitada da cidade
que a prendem aqui.
A agilidade, o movimento e a
urbanidade de São Paulo "são
uma escola e uma terapia", diz
Horacio Lafer Piva, presidente da
Fiesp. "A cidade é tão grande e tão
verdadeiramente metrópole que
você pode viver várias vidas diferentes, frequentar várias turmas",
afirma a consultora de moda Costanza Pascolato. O lado ruim, diz,
é o trânsito, que a obriga a trabalhar no carro enquanto se desloca.
A empresária e socialite Yara
Baumgart, que anda com dois seguranças e carros blindados, chega a sentir falta da "loucura" do
trânsito nos meses de férias. Alencar Burti, presidente da Associação Comercial de São Paulo, diz
que se assusta quando "as coisas
estão calmas" na cidade. "Você
não quer paz em São Paulo, porque a cidade te ensinou a conviver
com o dinamismo", afirma.
O filósofo Mário Sérgio Cortella,
secretário da Educação na gestão
Erundina, pensou que não conseguiria viver na cidade quando
veio de Londrina (PR), aos 13
anos. "Achei que não conseguiria
domá-la. Aqui as pessoas saltam
os degraus das escadas rolantes,
isso sempre me impressiona." Para a psiquiatra e socióloga Carmita Abdo, 53, o inusitado e a capacidade de surpreender é o que São
Paulo tem de melhor. "É uma cidade que não envelhece nunca, e
isso me dá a sensação de não envelhecer também", diz. O pior da
cidade, na sua opinião, é justamente o oposto: tratar mal seus
bens antigos, sejam suas pessoas,
seus prédios e tradições.
O lado cosmopolita da cidade,
suas instituições de ponta e as
chances de trabalho que oferece
foram lembrados por vários entrevistados. "Não preciso sair daqui para me atualizar", diz Regina
Parizi, presidente do Conselho
Regional de Medicina.
"Quem quer trabalhar, fica
aqui", diz Hélio Egydio Nogueira,
médico e reitor da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
Colaboraram Cláudia Collucci, Alencar
Izidoro, Bruno Lima, Gabriela Athias e
Sérgio Duran, da Reportagem Local
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