São Paulo, domingo, 25 de janeiro de 2004

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SP 450

Paulistano lembra festa e esquece política

Segundo pesquisa realizada com 400 moradores da cidade, comemoração de 1954 foi mais importante e a de hoje decepciona

SÉRGIO DÁVILA
DA REPORTAGEM LOCAL

Foi o auge de um dia cansativo, a noite daquela segunda-feira, 25 de janeiro de 1954. Após o festival de luzes protagonizado por holofotes do Exército distribuídos por todo o Anhangabaú, os paulistanos já se preparavam para sair.
Então, começou a chuva. Não de garoa fina, a que o morador da cidade estava acostumado, mas de triângulos prateados. Eram pequenos pedaços de papel cortados e despejados por uma esquadrilha de aviões contratada pela prefeitura e bancada pela indústria Wolff, que imprimiu seu nome no verso de cada recorte.
Cinquenta anos depois, essa é a principal imagem que ficou na memória dos que se lembram da cidade naquele quarto centenário -mais do que a inauguração do parque Ibirapuera. É a conclusão de pesquisa da Saldiva & Associados, oportunamente batizada de Chuva de Prata.
Segundo o levantamento -sob responsabilidade de Rose Saldiva, que ouviu 400 pessoas que moravam na cidade então e que moram agora, com idades entre 54 e 60 anos-, entre os eventos mais lembrados de 1954 estão a chuva de prata (98%), a inauguração do Ibirapuera (96%), a inauguração do monumento às Bandeiras (95%) e os desfiles do dia (95%).
Outra conclusão importante a que a pesquisa chega e que pode dar o que pensar à atual administração é que a maioria não se lembra de quem era o prefeito da cidade na ocasião. Instados a responder, a maioria respondeu Adhemar de Barros (que era o governador do Estado) e Prestes Maia (que comandou a cidade de 1938 a 1945 e 1961 a 1965).
A resposta correta veio em quarto lugar: era Jânio da Silva Quadros (1917-1992) o prefeito; o político seria eleito governador do Estado no ano seguinte, presidiria o Brasil de janeiro a agosto de 1961, quando renunciou, e voltaria ao comando de São Paulo entre 1985 e 1989.
"Isso mostra que a cidade é mais importante do que seus políticos na memória da população", disse Rose Saldiva, responsável por pesquisas anteriores como a que revelou que 90% dos brasileiros acreditavam em anjos e a que detectou que o dinheiro estava mudando de mãos nos anos 90.
Mas mais relevante é que a maioria dos entrevistados sente saudade de uma cidade que, na lembrança deles, era melhor e ganhou uma comemoração mais à altura do que a atual promete. "Falar do 4º Centenário é evocar não só uma juventude que parece estar perdida, porém uma cidade, um país e sobretudo uma oportunidade de progresso que parece ter desaparecido", escreve Rose.
"Isso um pouco é culpa da memória, que por vezes pode ser enganadora e idílica", relativiza Kátia Maria Abud, professora de Metodologia do Ensino de História da Faculdade de Educação da USP. Para ela, no entanto, realmente não há no evento de hoje "o apelo à unidade paulistana, o discurso político" de então.
E não há a chuva de prata. A própria historiadora se lembra dela. "Fiquei embasbacada."


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