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SP 452
Evento promovido pela Folha no Masp provocou reflexões sobre as belezas e os problemas da cidade, que festeja hoje seu aniversário
Debate expõe formas de admirar São Paulo
DA REPORTAGEM LOCAL
A história se passa no parque
Ibirapuera, na zona sul de São
Paulo, e é o arquiteto Isay Weinfeld quem a conta.
Era fim de tarde e a filha de
Weinfeld comentou que o sol estava lindo. "Eu olhei, mas, do ângulo que vi, havia um monte de
coisas atrapalhando. Dei uns seis
passos para a direita. Depois, uns
30 para a esquerda. Demorei meia
hora para achar um ponto onde o
auditório do Niemeyer, uma estátua, a vegetação e o sol fizessem
uma composição e tudo ficasse
lindo. Demorei muito para achar
a beleza e isso é o que tem de bom
na cidade. São Paulo é instigante."
O público ri do relato, que parece responder à questão do debate
"São Paulo é melhor do que parece?", promovido pela Folha anteontem no Masp e mediado pelo
jornalista Gilberto Dimenstein. A
resposta: depende de como se
olha a cidade.
O olhar do compositor baiano
Tom Zé, autor do verso "São São
Paulo, meu amor", passa pelo deboche -"[a música] é uma brincadeira, porque São Paulo era o
lugar da fealdade, escolhido para
ser o cu do mundo". Serginho
Groisman destacou a diversidade,
e o escritor e rapper Ferréz enfocou os estereótipos que pesam sobre a periferia. Para o psicanalista
italiano Contardo Calligaris, São
Paulo é tão boa quanto parece.
"Estou aqui por escolha."
(AMARÍLIS LAGE)
ESPELHO
Contardo Calligaris - "Nova York
nunca parou de se propor como
um cenário de sonho. A possibilidade de ter devaneios na cidade
na qual a gente vive diz psicologicamente a cada um que naquele
lugar é permitido fantasiar uma
vida diferente. Se eu tivesse que
dizer o que falta para São Paulo,
seria que o cinema e a televisão
saíssem dos estúdios e fossem para o centro da cidade. A gente pode não respeitar o lugar onde vive,
mas sempre respeita o lugar onde
se situam nossos sonhos."
Ferréz - "A gente não se vê na
TV, só é estereotipado. Parece que
a gente é só tráfico, mas 99% das
pessoas da periferia são honestas.
Ladrão não enche ônibus."
INSEGURANÇA
Serginho Groisman - "Eu tenho
uma convivência tranqüila com a
cidade. Ando de vidro aberto no
carro. Falo tranqüilamente com
meninos de rua."
Ferréz - "Você atrai ladrão com
carro blindado, jóias, na postura.
Uma mulher de uma ONG foi lá
na favela. Chegou com celular
pendurado, a postura dela dizia
"vim aqui para ser roubada". Roubaram. Eu falei: "Do jeito que você
está, até eu te roubo"."
Isay Weinfeld - "Se pegar um
quarteirão da cidade, você vê uns
80 tipos de vaso. Cada um combina com o prédio. A guarita parece
um filhinho do prédio, é a cara da
mãe. Não há um espírito público.
Tudo tem a cara da pessoa que,
com o passar do tempo, se fechou,
por causa da violência, em casa."
INVISIBILIDADE
Tom Zé - "Uma das coisas mais
terríveis que os "esmolés" praticam é que nem olham na cara.
Tem uma mulher que pede esmola na minha rua, chega e bota a
mão. Decidi provocar. "Como
vai?" Ela olha: "Está louco? Quer
me transformar em gente?"."
Ferréz - "Tom, você não entende
porque olha para o cara, mas a
população não olha. O cara dá o
dinheiro para se livrar."
EXCLUSÃO SOCIAL
Ferréz - "Não moro em São Paulo, eu moro no Capão Redondo. A
gente tem os mesmos deveres,
mas não tem direitos. Um amigo
meu está construindo um prédio
para uma igreja e os pastores querem uma iluminação especial sob
a banheira de hidromassagem. A
gente ri, mas é luxo demais para
uma cidade que tem de menos."
HIP HOP
Serginho Groisman - "O grande
movimento cultural hoje é o hip
hop, que vem de um grupo que é
alijado socialmente mas que deixou claro que tem uma voz. O que
falta é uma clareza maior para que
essa voz se torne um grito e tenha
repercussão."
Contardo Calligaris - "O hip hop
é um remédio [para os jovens da
periferia] porque canta a história
deles. "Eu valho o suficiente para
fazer parte dessa história". É saber
que alguém como eu pode ser
protagonista."
MISTURA
Serginho Groisman - "Uma vez
levei o pessoal dos carecas do subúrbio para o meu programa e
um disse: se você cortar alguma
coisa [da entrevista], sei onde te
achar e te mato. À noite, num coquetel, um garçom veio me oferecer bebida e era o cara que tinha
me ameaçado à tarde. Mas, ali, era
uma outra pessoa. Esta cidade é
muito louca. Não dá para defini-la
pela arquitetura, pelos emigrantes
ou estrangeiros, mas pela personalidade humana e controversa
que ela tem."
Isay Weinfeld - "A falta total de
personalidade de São Paulo virou
a sua personalidade. Ela é uma
miscelânea de coisas estranhas,
arquiteturas, caras e cores."
BELEZA
Tom Zé - "Em cidades bonitas
como Salvador, parece que a gente tem que corresponder. Eu tinha
um sentimento de responsabilidade como se eu devesse ser bonito como a natureza. Salvador é
uma cidade que me ofende. O Rio
me ofende. São Paulo não é tão
ofensiva."
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