São Paulo, quarta-feira, 25 de janeiro de 2006

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SP 452

Evento promovido pela Folha no Masp provocou reflexões sobre as belezas e os problemas da cidade, que festeja hoje seu aniversário

Debate expõe formas de admirar São Paulo

DA REPORTAGEM LOCAL

A história se passa no parque Ibirapuera, na zona sul de São Paulo, e é o arquiteto Isay Weinfeld quem a conta.
Era fim de tarde e a filha de Weinfeld comentou que o sol estava lindo. "Eu olhei, mas, do ângulo que vi, havia um monte de coisas atrapalhando. Dei uns seis passos para a direita. Depois, uns 30 para a esquerda. Demorei meia hora para achar um ponto onde o auditório do Niemeyer, uma estátua, a vegetação e o sol fizessem uma composição e tudo ficasse lindo. Demorei muito para achar a beleza e isso é o que tem de bom na cidade. São Paulo é instigante."
O público ri do relato, que parece responder à questão do debate "São Paulo é melhor do que parece?", promovido pela Folha anteontem no Masp e mediado pelo jornalista Gilberto Dimenstein. A resposta: depende de como se olha a cidade.
O olhar do compositor baiano Tom Zé, autor do verso "São São Paulo, meu amor", passa pelo deboche -"[a música] é uma brincadeira, porque São Paulo era o lugar da fealdade, escolhido para ser o cu do mundo". Serginho Groisman destacou a diversidade, e o escritor e rapper Ferréz enfocou os estereótipos que pesam sobre a periferia. Para o psicanalista italiano Contardo Calligaris, São Paulo é tão boa quanto parece. "Estou aqui por escolha."
(AMARÍLIS LAGE)

ESPELHO
Contardo Calligaris - "Nova York nunca parou de se propor como um cenário de sonho. A possibilidade de ter devaneios na cidade na qual a gente vive diz psicologicamente a cada um que naquele lugar é permitido fantasiar uma vida diferente. Se eu tivesse que dizer o que falta para São Paulo, seria que o cinema e a televisão saíssem dos estúdios e fossem para o centro da cidade. A gente pode não respeitar o lugar onde vive, mas sempre respeita o lugar onde se situam nossos sonhos."
Ferréz - "A gente não se vê na TV, só é estereotipado. Parece que a gente é só tráfico, mas 99% das pessoas da periferia são honestas. Ladrão não enche ônibus."

INSEGURANÇA
Serginho Groisman - "Eu tenho uma convivência tranqüila com a cidade. Ando de vidro aberto no carro. Falo tranqüilamente com meninos de rua."
Ferréz - "Você atrai ladrão com carro blindado, jóias, na postura. Uma mulher de uma ONG foi lá na favela. Chegou com celular pendurado, a postura dela dizia "vim aqui para ser roubada". Roubaram. Eu falei: "Do jeito que você está, até eu te roubo"."
Isay Weinfeld - "Se pegar um quarteirão da cidade, você vê uns 80 tipos de vaso. Cada um combina com o prédio. A guarita parece um filhinho do prédio, é a cara da mãe. Não há um espírito público. Tudo tem a cara da pessoa que, com o passar do tempo, se fechou, por causa da violência, em casa."

INVISIBILIDADE
Tom Zé - "Uma das coisas mais terríveis que os "esmolés" praticam é que nem olham na cara. Tem uma mulher que pede esmola na minha rua, chega e bota a mão. Decidi provocar. "Como vai?" Ela olha: "Está louco? Quer me transformar em gente?"."
Ferréz - "Tom, você não entende porque olha para o cara, mas a população não olha. O cara dá o dinheiro para se livrar."

EXCLUSÃO SOCIAL
Ferréz - "Não moro em São Paulo, eu moro no Capão Redondo. A gente tem os mesmos deveres, mas não tem direitos. Um amigo meu está construindo um prédio para uma igreja e os pastores querem uma iluminação especial sob a banheira de hidromassagem. A gente ri, mas é luxo demais para uma cidade que tem de menos."

HIP HOP
Serginho Groisman - "O grande movimento cultural hoje é o hip hop, que vem de um grupo que é alijado socialmente mas que deixou claro que tem uma voz. O que falta é uma clareza maior para que essa voz se torne um grito e tenha repercussão."
Contardo Calligaris - "O hip hop é um remédio [para os jovens da periferia] porque canta a história deles. "Eu valho o suficiente para fazer parte dessa história". É saber que alguém como eu pode ser protagonista."

MISTURA
Serginho Groisman - "Uma vez levei o pessoal dos carecas do subúrbio para o meu programa e um disse: se você cortar alguma coisa [da entrevista], sei onde te achar e te mato. À noite, num coquetel, um garçom veio me oferecer bebida e era o cara que tinha me ameaçado à tarde. Mas, ali, era uma outra pessoa. Esta cidade é muito louca. Não dá para defini-la pela arquitetura, pelos emigrantes ou estrangeiros, mas pela personalidade humana e controversa que ela tem."
Isay Weinfeld - "A falta total de personalidade de São Paulo virou a sua personalidade. Ela é uma miscelânea de coisas estranhas, arquiteturas, caras e cores."

BELEZA
Tom Zé - "Em cidades bonitas como Salvador, parece que a gente tem que corresponder. Eu tinha um sentimento de responsabilidade como se eu devesse ser bonito como a natureza. Salvador é uma cidade que me ofende. O Rio me ofende. São Paulo não é tão ofensiva."


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