São Paulo, segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

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Passando por cima

Obra de teleférico no Rio desafia engenharia e convive com bandidos armados e barricadas

Início da operação está previsto para setembro, véspera de eleições; sistema de transporte representa 20% dos gastos do PAC na favela

ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO

Há mais de cinco décadas no morro do Adeus, no Complexo do Alemão, zona norte do Rio, o aposentado Inácio Eufrásio Lima, 56, conta ter levado muitos móveis nas costas para superar os 360 degraus que separavam o topo e a pista asfaltada, limite para os caminhões de entrega.
Já os engenheiros do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) precisaram se adaptar às vielas íngremes e à presença de traficantes armados para construir o teleférico na favela e facilitar o acesso.
Principal símbolo do PAC no Rio, o teleférico promete também ser um desafio à Justiça Eleitoral. Sua inauguração está prevista para setembro, véspera das eleições.
Composto por seis estações em 3,5 km, será integrado à estação de trem de Bonsucesso e atenderá a 30 mil pessoas/dia. O modelo é inspirado no sistema de Medellín (Colômbia).
A intervenção inclui ainda alargamento e pavimentação de 2,5 km de ruas e construção de 3.000 moradias, equipamentos sociais e redes de água e esgoto.
Com 13 favelas e 105 mil moradores, o Complexo do Alemão é uma das áreas mais violentas do Rio. Tem o mais baixo IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) dos 126 bairros da cidade: 0,711, igual ao da Indonésia, 108º no ranking mundial.
Erguer as cinco estações de 16 m de altura no meio da favela exigiu criatividade de engenheiros. Na Fazendinha, caminhões não superaram os 42 de inclinação da estreita rua Augusto Borborema. A solução para fornecer concreto foi heterodoxa. Em vez de enviá-lo pronto de uma central, montou-se uma pequena fábrica no canteiro. Caminhões menores com trações nas quatro rodas levam brita, areia e cimento.
Na estação do Itararé, a ladeira exigiu que os veículos levassem apenas 4.000 litros de concreto, metade da capacidade. Se exceder este volume, o material entorna na subida.
"Antes da obra, há estudos sobre as dificuldades. Mas a gente não sabe precisar os problemas", diz Nilo Moreira, coordenador da obra em duas estações.

Barricadas
No planejamento oficial também não há a convivência com traficantes. Mas ela existe.
Ao visitar o morro do Alemão, a Folha -acompanhada da assessoria da Secretaria Estadual de Obras- aguardou cinco minutos para subir. Um operário com macacão da obra retirou um trilho de trem fincado no asfalto, artifício de traficantes para impedir o acesso da polícia. Quando a Folha saiu, ele estava de novo na pista. Algumas vias com asfalto novo têm o mesmo problema.
Para subir, o cicerone da visita, um morador local, pediu que os vidros do carro fossem abertos -assim bandidos identificam quem circula ali. Um traficante armado com fuzil 7.62 descia próximo à obra.
Segundo operários, homens armados já entraram nos canteiros da Fazendinha e Itararé, onde a Folha não pôde ir porque "o clima estava ruim".
"Não tivemos problemas com isso. A obra transcorre com normalidade", afirma Samir Mansur, da Empresa de Obras Públicas (Emop).
Mesmo com as dificuldades, a Emop mantém a previsão para o início da operação do teleférico em setembro. As estações estarão prontas em julho, e o cabo, em abril. Até setembro, o sistema opera em teste.
O cronograma original prevê gastos de R$ 6,2 milhões no teleférico de outubro de 2010 a fevereiro de 2011, mas, segundo a Emop, referem-se à "operação assistida" do sistema e "trabalho social". A construção do teleférico vai consumir 20% do gasto do PAC no Alemão.
No alto do morro do Adeus, seu Inácio acompanha a obra. O teleférico reduzirá as subidas por ladeiras e vielas. Mas ele não garante que o usará. Não por temer a segurança do transporte. "Se alcançar até lá... Tem tanto acontecimento por aqui que a gente nem sabe até quando vai durar."


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