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Passando por cima
Obra de teleférico no Rio desafia engenharia e convive com bandidos armados e barricadas
Início da operação está previsto para setembro, véspera de eleições; sistema de transporte representa 20% dos gastos do PAC na favela
ITALO NOGUEIRA
DA SUCURSAL DO RIO
Há mais de cinco décadas no
morro do Adeus, no Complexo
do Alemão, zona norte do Rio, o
aposentado Inácio Eufrásio Lima, 56, conta ter levado muitos
móveis nas costas para superar
os 360 degraus que separavam o
topo e a pista asfaltada, limite
para os caminhões de entrega.
Já os engenheiros do PAC
(Programa de Aceleração do
Crescimento) precisaram se
adaptar às vielas íngremes e à
presença de traficantes armados para construir o teleférico
na favela e facilitar o acesso.
Principal símbolo do PAC no
Rio, o teleférico promete também ser um desafio à Justiça
Eleitoral. Sua inauguração está
prevista para setembro, véspera
das eleições.
Composto por seis estações
em 3,5 km, será integrado à estação de trem de Bonsucesso e
atenderá a 30 mil pessoas/dia.
O modelo é inspirado no sistema de Medellín (Colômbia).
A intervenção inclui ainda
alargamento e pavimentação de
2,5 km de ruas e construção de
3.000 moradias, equipamentos
sociais e redes de água e esgoto.
Com 13 favelas e 105 mil moradores, o Complexo do Alemão
é uma das áreas mais violentas
do Rio. Tem o mais baixo IDH
(Índice de Desenvolvimento
Humano) dos 126 bairros da cidade: 0,711, igual ao da Indonésia, 108º no ranking mundial.
Erguer as cinco estações de 16
m de altura no meio da favela
exigiu criatividade de engenheiros. Na Fazendinha, caminhões
não superaram os 42 de inclinação da estreita rua Augusto
Borborema. A solução para fornecer concreto foi heterodoxa.
Em vez de enviá-lo pronto de
uma central, montou-se uma
pequena fábrica no canteiro.
Caminhões menores com trações nas quatro rodas levam
brita, areia e cimento.
Na estação do Itararé, a ladeira exigiu que os veículos levassem apenas 4.000 litros de concreto, metade da capacidade. Se
exceder este volume, o material
entorna na subida.
"Antes da obra, há estudos sobre as dificuldades. Mas a gente
não sabe precisar os problemas", diz Nilo Moreira, coordenador da obra em duas estações.
Barricadas
No planejamento oficial também não há a convivência com
traficantes. Mas ela existe.
Ao visitar o morro do Alemão, a Folha -acompanhada
da assessoria da Secretaria Estadual de Obras- aguardou
cinco minutos para subir. Um
operário com macacão da obra
retirou um trilho de trem fincado no asfalto, artifício de traficantes para impedir o acesso
da polícia. Quando a Folha
saiu, ele estava de novo na pista. Algumas vias com asfalto
novo têm o mesmo problema.
Para subir, o cicerone da visita, um morador local, pediu
que os vidros do carro fossem
abertos -assim bandidos identificam quem circula ali. Um
traficante armado com fuzil
7.62 descia próximo à obra.
Segundo operários, homens
armados já entraram nos canteiros da Fazendinha e Itararé,
onde a Folha não pôde ir porque "o clima estava ruim".
"Não tivemos problemas
com isso. A obra transcorre
com normalidade", afirma Samir Mansur, da Empresa de
Obras Públicas (Emop).
Mesmo com as dificuldades,
a Emop mantém a previsão para o início da operação do teleférico em setembro. As estações estarão prontas em julho,
e o cabo, em abril. Até setembro, o sistema opera em teste.
O cronograma original prevê
gastos de R$ 6,2 milhões no teleférico de outubro de 2010 a
fevereiro de 2011, mas, segundo a Emop, referem-se à "operação assistida" do sistema e
"trabalho social". A construção
do teleférico vai consumir 20%
do gasto do PAC no Alemão.
No alto do morro do Adeus,
seu Inácio acompanha a obra.
O teleférico reduzirá as subidas
por ladeiras e vielas. Mas ele
não garante que o usará. Não
por temer a segurança do
transporte. "Se alcançar até lá...
Tem tanto acontecimento por
aqui que a gente nem sabe até
quando vai durar."
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