São Paulo, quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Defesa de legalização não é apologia

LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS

Lutar contra a lei faz parte do jogo democrático. A defesa da legalização do uso da maconha não se confunde com a apologia do crime.
A liberdade de manifestação do pensamento deveria prevalecer, mas liminares do Poder Judiciário têm impedido passeatas nos últimos anos. Os fundamentos destas decisões são falaciosos e se apegam a detalhes linguísticos. Como os manifestantes designam a manifestação como "marcha da maconha" e não "marcha pela legalização da maconha", a intenção de fazer apologia seria nítida... Tenta-se proibir o próprio uso da palavra "maconha" em cartazes e camisetas...
O Judiciário não se volta contra a divulgação de argumentos de Estado: Fernando Henrique Cardoso é a favor da legalização da maconha por acreditar que seria mais racional uma política de prevenção ao abuso, e nem por isso o Ministério Público quer enquadrá-lo. O Judiciário se volta é contra aquele que tem na satisfação individual o motivo do gesto político.
Fazer apologia significa enaltecer, exaltar. Como os argumentos para o livre consumo da maconha também estão relacionados ao prazer, ou se apoiam na crença de que a droga faz menos mal para a saúde do que outras substâncias legais, como o álcool, ou de que é possível o consumo da erva de maneira a não causar dano ou prejuízo para terceiras pessoas, as autoridades costumam tratar estas manifestações como se fosse um incentivo.
A aparente confusão entre o que a lei tenta proibir (a apologia) e o que a Constituição procura garantir (a liberdade de manifestação) não acontece em relação ao aborto, por exemplo, porque os argumentos em favor da sua legalização são de outra natureza. Não há quem defenda a interrupção voluntária da gravidez como algo prazeroso ou desejável... O aborto é tratado, sempre, como uma intervenção cirúrgica emocionalmente traumática. Diferentemente, o consumo da maconha, por quem gosta de consumi-la, é motivo de satisfação individual.
Mas o propósito do manifestante é o de dizer que ele quer poder consumir maconha livremente e não o de estimular outros ao uso. Não há apologia, nem incitação.
O que não pode é a desobediência civil -ainda que o método possa ser eficaz para derrubar proibições. É que também faz parte das regras do jogo que o Estado faça cumprir a lei em vigor. Quem se manifestar pela legalização do consumo da maconha, consumindo-a diante dos policiais, pode ser responsabilizado criminalmente.
Quando proíbe manifestações públicas a favor da maconha, o Poder Judiciário mostra um viés obscurantista. Proíbe de antemão, como se a passeata fosse, por si só, um perigo... É censura prévia. A mesma censura prévia que de vez em quando alguns juízes brasileiros tentam impor aos jornais.


Texto Anterior: "Marcha do orégano" pede legalização da maconha
Próximo Texto: Justiça: Governo quer rever legislação sobre drogas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.