São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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PERIGO NO MAR

Diretor reconhece que preocupação com segurança industrial só começou com acidente na baía de Guanabara

Petrobras não renova "cérebros" há 12 anos

CHICO SANTOS
ELVIRA LOBATO

DA SUCURSAL DO RIO

Interrupção por 12 anos da renovação de pessoal qualificado e carência de investimentos nas áreas de segurança industrial e de meio ambiente, combinados com um período de grande crescimento das atividades, podem ter criado na Petrobras a conjuntura propícia para a série de acidentes graves que tem atingido a empresa estatal nos últimos anos.
Nesse espaço de 12 anos (1988-2000) passaram pela empresa 11 presidentes, mas dois terços do período foram das gestões do último presidente, Joel Mendes Rennó (seis anos), e do atual, Henri Philippe Reichstul (dois anos).
O acidente da P-36 e os desastres ecológicos da baía de Guanabara (Rio, janeiro de 2000) e do rio Iguaçu (Paraná, julho de 2000) ganharam destaque, mas o quadro é ainda mais grave.
De 1998 até agora foram 95 mortes em acidentes de trabalho na empresa, média de um morto a cada 12,4 dias. Além disso, somente os três acidentes acima despejaram nas águas 6,45 milhões de litros de óleo (ou 215 carretas de 30 mil litros lotadas).
Desde a explosão da P-36, especialistas tentam encontrar uma explicação para a sucessão de desastres que estourou na gestão de Reichstul e que coincide com o momento de melhor performance financeira da companhia.
Ela fechou 2000 com o maior lucro já obtido por uma empresa brasileira: R$ 10,1 bilhões. A produção de petróleo e gás também bateu recorde, atingindo 1,271 milhão de barris/dia, mais que o dobro dos 617 mil barris/dia de 1989.
Há quem ache que Reichstul paga por erros dos seis anos de Rennó: baixo investimento em manutenção, política salarial restritiva (com consequente perda de quadros) e supostos privilégios na contratação de equipamentos envolvendo a pequena Marítima Petróleo. Com capital de R$ 5 milhões, tem contratos superiores a US$ 2 bilhões, inclusive o da P-36.
"Reichstul é vítima dos erros dos seus antecessores", afirmou Adriano Pires Rodrigues, analista da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Para os aliados de Rennó, as críticas são infundadas. Todos os negócios, dizem, foram feitos com licitação. O próprio Rennó não foi localizado para falar sobre esses comentários.
Um ex-diretor da era Rennó, que prefere o anonimato, disse que o aumento recente dos acidentes decorreria do fato de Reichstul ter priorizado a gestão empresarial, em detrimento dos cuidados técnicos, gerando um certo relaxamento na equipe. O atual presidente não quis comentar as crítica a sua gestão.
Reichstul é criticado ainda por ter aumentado em até 100% os salários do pessoal de comando, gerando desmotivação entre a maioria dos empregados.
O diretor de exploração e produção da estatal, Coutinho Barbosa, afirma que a empresa prepara projeto para reparar a falha.
Coutinho Barbosa admitiu que, mesmo na gestão da qual ele participa, o cuidado maior com a segurança industrial só foi despertado pela repercussão do acidente na baía de Guanabara.
"O "start up" (começo) aqui foi o acidente na baía", disse. "Ficamos muito tempo sem investir em segurança industrial", afirmou.
Segundo Coutinho, somente no ano passado a estatal retomou a política antiga de ir às universidades procurar os melhores formandos em engenharia.
""Um engenheiro que entra na empresa demanda de dois a três anos para começar a caminhar sozinho. Ficamos 12 anos sem contratar ninguém. As pessoas foram ficando velhas e saindo."
Dois ex-presidentes concordam com esse diagnóstico: Armando Guedes Coelho, que comandou a empresa de junho de 1988 a janeiro de 1989, e Carlos Sant" Anna, que ocupou o cargo de abril de 1989 a março de 1990.
Coelho discorda da decisão de interromper as contratações por 12 anos. "O gap (buraco) é claro. A companhia tem de associar o espírito inovador dos jovens com a experiência dos mais vividos."
"A Petrobras não preparou pessoal e caiu na terceirização. Não acredito que a gestão atual chegou, em dois anos, a preencher essa lacuna", disse Sant'Anna.
A estatal não informa quantos engenheiros perdeu nos últimos anos, mas o ritmo acelerado do encolhimento do quadro de pessoal foi dramático. De 60.028 empregados em 1989 passou para 34.320 no final do ano passado.
O número de terceirizados (41 mil, segundo a empresa) tem hoje uma relação com o pessoal efetivo de 1,2 para 1. Segundo os sindicatos de petroleiros, a taxa é 2 para 1.
Os membros da Associação dos Engenheiros da Petrobras caíram de 7.000 para 4.500 desde 1995.
A terceirização é hoje um dos temas mais polêmicos na estatal. Os sindicatos atribuem a ela grande parte dos acidentes recentes. A estatal nega a relação, mas admite que o número de problemas entre os terceirizados é muito superior ao que atinge o efetivo próprio.
Segundo a Federação Única dos Petroleiros, 12 dos 16 mortos em acidentes no ano passado eram terceirizados. Em 1999, eles representaram 27 dos 28 mortos.
Há discussão também em relação ao alcance da terceirização. A Petrobrás informa que isso é restrito às atividades periféricas, mas os sindicalistas sustentam que ela atingiu a produção de petróleo.
Coutinho Barbosa afirma que a terceirização é um processo normal no setor. Segundo ele, citando dados do governo dos EUA, no golfo do México, de cada dez trabalhadores, oito são terceirizados.
O analista Rodrigues também defende a terceirização. "Os petroleiros querem a volta da política de pessoal dos anos 50."
Quanto aos gastos com manutenção, ele se alia aos críticos. Disse que nos últimos 20 anos o governo priorizou a busca da auto-suficiência na produção de petróleo e relegou a segundo plano as demais atividades. "Os investimentos foram direcionados na proporção de 70% para a produção e de 30% para o resto", afirmou o especialista da UFRJ.


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