São Paulo, domingo, 25 de março de 2001

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O que ocorre depois é um dilema

DA REPORTAGEM LOCAL

Todos aqueles que se tornam voluntários do Centro de Valorização da Vida enfrentam um dilema permanente: até que ponto o fato de eles ouvirem o problema de uma pessoa, conversarem serenamente com ela, argumentarem em torno da importância da vida, estarem disponíveis para aceitar seus argumentos resulta em alguma coisa verdadeiramente positiva?
Será que aquela mulher que disse que iria pular da janela, depois garantiu que não iria mais e desligou o telefone, de fato desistiu da idéia? Ou será que pulou? Impossível saber.
"De fato, você nunca tem o "feedback", não sabe se a crise passou ou não, o que aconteceu com aquela pessoa", relata o comerciante Nilton, 49, voluntário do centro há sete anos.
"Mas eu aprendi a não me sentir impotente por causa disso. Aprendi apenas a estar disponível para o outro naquela situação limítrofe que ele está vivendo", afirma Nilton.
Para o voluntário, a partir do momento em que ele concluiu que, para uma pessoa desesperada, "ter alguém disponível é um luxo", passou a não se sentir mais "impotente".
Se esse sentimento não ocorre mais, há outros que afloram inesperadamente.
"Atendi ao telefonema de uma moça que havia sido violentada e tinha sido muito machucada. Ela não tinha com quem conversar, para quem pedir ajuda, para quem contar seu drama. Tinha vergonha de ir a um hospital, procurar a polícia. Passamos muito tempo conversando, horas, e ela chorava demais, chorava tanto que eu acabei chorando junto com ela."
Mas há casos bem mais difíceis e que remetem à questão anterior, que é a de saber o que realmente aconteceu do outro lado da linha. É Arthur quem conta:
"Há muito tempo ocorreu um caso de um voluntário estar conversando com uma pessoa que dizia a todo instante que iria se matar. De repente ela ouviu um baque do outro lado e o telefone ficou mudo. O que aconteceu? A pessoa de fato se matou? Essa dúvida deixou o voluntário completamente abalado. Ele não sabia se a pessoa com quem conversava morreu ou não. Precisou de muita ajuda, principalmente de outros colegas mais experientes, para superar o trauma."
Outro caso muito difícil foi enfrentado pelo próprio Arthur e que, segundo ele, o marcou demais. Ele se emociona ao fazer o relato:
"Telefonou uma mulher realmente desesperada, que havia sido abandonada pelo marido com três filhas pequenas. Ela não tinha mais dinheiro para nada e, num lance de desespero total, resolveu se prostituir, vender o próprio corpo. Então ela procurou um homem conhecido, para quem fez a proposta e sugeriu uma certa quantia. Acontece que ela foi recusada pelo homem, o que aumentou ainda mais sua humilhação. A coisa ficou tão complicada que a filha mais velha sugeriu que as quatro se matassem. Você estar junto a alguém e compartilhar uma situação dessas é uma coisa muito intensa. Chega a ser um momento mágico em que você atinge o ápice de sua vida em termos de sentimento." (LC)


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