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LETRAS JURÍDICAS
Crimes hediondos requerem atenção de Lula
WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA
Está na consciência de qualquer cidadão a necessidade
de punições diferentes para condutas irregulares, também diferentes. Até por isso mesmo, no futebol, a falta cometida na área é
punida com pênalti. Fora da grande área, a cobrança comum afasta
o sofrimento das fatais onze jardas sem barreira. Transpondo o
mesmo raciocínio para o crime é
compreensível, mais que isso é
exigível, a punição agravada para
certos delitos. A dosagem elevada
da pena, em condutas mais afrontosas ao direito, existe na avaliação de qualquer pessoa. Tem caráter imanente, essencial, quase
físico na intimidade com a natureza humana.
Nasceu da essencialidade referida a distinção feita pela Constituição (veja bem, pela Constituição!)
encontrada no inciso XLIII do art.
5º, no capítulo dos direitos fundamentais. Lá está que a lei considerará "crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a
prática de tortura, o tráfico ilícito
de entorpecentes e drogas afins, o
terrorismo e os definidos como
crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".
O vocábulo hediondo ingressou
no direito brasileiro pela porta
constitucional exatamente para o
fim de distinguir, de modo não
controvertido, a diferença entre
os crimes comuns enquadrados
nas leis e outros, especialmente
repugnantes, na avaliação da sociedade e da ciência penal. Hediondo é adjetivo que o respeitado dicionário Morais (entre tantos outros) define como "feio,
imundo, asqueroso, sórdido. Depravado, horroroso, horrível". Se
o leitor quiser percorrer outros
dicionários em línguas latinas
(embora hediondo, aparentemente, tenha origem germânica)
encontrará igual e firme enquadramento na sordidez.
Mesmo em tipos iguais de delitos, há distinções a serem feitas,
como conseqüência da aplicação
constitucional. O crime de morte
serve bem de exemplo. O cidadão
que, no tráfego das ruas, andando
segundo as regras de trânsito,
atropela alguém, matando-o, comete crime menos grave, culposo
e não doloso, que o matador de alguém para roubar-lhe um bem
qualquer. Por aí se vê que, fora e
dentro dos limites das ciências jurídicas, não há dúvida de que a
Constituição quer punir mais severamente certos delitos, aos
quais classificou como hediondos, para ações criminosas nela
indicadas, remetendo para a lei a
adequação e os termos da correspondente pena.
Ora, segundo divulgaram os
jornais, se modificada a severidade do cumprimento integral da
condenação ao regime fechado,
serão libertados 47 mil acusados
de crimes hediondos. O legislador
deve estar atento, até pela anotação estatística, para as conseqüências da transformação do regime
para semi-aberto ou aberto. Cabe
ponderar a respeito, pelo menos,
de dois dados: a criminalidade do
tráfico (para um só exemplo de
crime hediondo previsto na
Constituição) tem desenvolvimento crescente. Devolvidos à
rua, com a mudança do regime fechado, a avaliação é a de que sejam engrossados, no curso do
tempo, os grupos traficantes de
hoje. O segundo dado refere-se à
reação da sociedade como um todo. A insegurança permanente
existe, em particular nos grandes
centros urbanos. O legislador deve pensar a respeito do agravamento dessa insegurança, que já
tem níveis altíssimos na cidadania. A condenação por crime hediondo exige prova induvidosa,
severamente apurada. Mas, em
havendo prova, a consciência social é incompatível com o favorecimento que o projeto do governo, encaminhado ao Congresso,
quer gerar. O cidadão Luiz Inácio
Lula da Silva tem obrigação de saber do que se trata e meditar a
respeito.
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