São Paulo, sábado, 25 de março de 2006

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LETRAS JURÍDICAS

Crimes hediondos requerem atenção de Lula

WALTER CENEVIVA
COLUNISTA DA FOLHA

Está na consciência de qualquer cidadão a necessidade de punições diferentes para condutas irregulares, também diferentes. Até por isso mesmo, no futebol, a falta cometida na área é punida com pênalti. Fora da grande área, a cobrança comum afasta o sofrimento das fatais onze jardas sem barreira. Transpondo o mesmo raciocínio para o crime é compreensível, mais que isso é exigível, a punição agravada para certos delitos. A dosagem elevada da pena, em condutas mais afrontosas ao direito, existe na avaliação de qualquer pessoa. Tem caráter imanente, essencial, quase físico na intimidade com a natureza humana.
Nasceu da essencialidade referida a distinção feita pela Constituição (veja bem, pela Constituição!) encontrada no inciso XLIII do art. 5º, no capítulo dos direitos fundamentais. Lá está que a lei considerará "crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia, a prática de tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem".
O vocábulo hediondo ingressou no direito brasileiro pela porta constitucional exatamente para o fim de distinguir, de modo não controvertido, a diferença entre os crimes comuns enquadrados nas leis e outros, especialmente repugnantes, na avaliação da sociedade e da ciência penal. Hediondo é adjetivo que o respeitado dicionário Morais (entre tantos outros) define como "feio, imundo, asqueroso, sórdido. Depravado, horroroso, horrível". Se o leitor quiser percorrer outros dicionários em línguas latinas (embora hediondo, aparentemente, tenha origem germânica) encontrará igual e firme enquadramento na sordidez.
Mesmo em tipos iguais de delitos, há distinções a serem feitas, como conseqüência da aplicação constitucional. O crime de morte serve bem de exemplo. O cidadão que, no tráfego das ruas, andando segundo as regras de trânsito, atropela alguém, matando-o, comete crime menos grave, culposo e não doloso, que o matador de alguém para roubar-lhe um bem qualquer. Por aí se vê que, fora e dentro dos limites das ciências jurídicas, não há dúvida de que a Constituição quer punir mais severamente certos delitos, aos quais classificou como hediondos, para ações criminosas nela indicadas, remetendo para a lei a adequação e os termos da correspondente pena.
Ora, segundo divulgaram os jornais, se modificada a severidade do cumprimento integral da condenação ao regime fechado, serão libertados 47 mil acusados de crimes hediondos. O legislador deve estar atento, até pela anotação estatística, para as conseqüências da transformação do regime para semi-aberto ou aberto. Cabe ponderar a respeito, pelo menos, de dois dados: a criminalidade do tráfico (para um só exemplo de crime hediondo previsto na Constituição) tem desenvolvimento crescente. Devolvidos à rua, com a mudança do regime fechado, a avaliação é a de que sejam engrossados, no curso do tempo, os grupos traficantes de hoje. O segundo dado refere-se à reação da sociedade como um todo. A insegurança permanente existe, em particular nos grandes centros urbanos. O legislador deve pensar a respeito do agravamento dessa insegurança, que já tem níveis altíssimos na cidadania. A condenação por crime hediondo exige prova induvidosa, severamente apurada. Mas, em havendo prova, a consciência social é incompatível com o favorecimento que o projeto do governo, encaminhado ao Congresso, quer gerar. O cidadão Luiz Inácio Lula da Silva tem obrigação de saber do que se trata e meditar a respeito.


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