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PASQUALE CIPRO NETO
Concordância (inadequada) por atração
Na última semana, falamos de um caso específico
de concordância por atração.
Alguns leitores escreveram para
lembrar uma frase bíblica ("Passará o céu e a terra"). "Passará",
no singular, concorda com "céu",
primeiro núcleo do sujeito posposto. Vimos que essa opção (a da
concordância por atração) é tão
correta quanto a que leva o verbo
para o plural ("passarão"). Vimos
também as implicações estilísticas de cada opção.
Um jornal publicou recentemente matéria em que se lia algo
como "...os produtos que valem a
pena colocar no carrinho". Que
tal a concordância de "valem"?
Antes de tratar do caso, vale a
pena explicar por que em "não
vale a pena" não ocorre crase. A
razão é para lá de simples: esse
"a" não passa de mísero artigo;
"pena" é sinônimo de "sacrifício",
"trabalho": "não vale o sacrifício"; "não vale o trabalho".
A troca do feminino "pena" por
um masculino deixa claro o motivo da inexistência do acento grave em "não vale a pena".
Voltemos à concordância de
"valer" em "...produtos que valem
a pena colocar no carrinho". Afinal é "valem" ou "vale"?
A coisa também é simples, embora talvez não pareça. O que você diria: "Vale a pena colocar esses produtos no carrinho" ou
"Valem a pena colocar esses produtos no carrinho"? Certamente
diria "vale", no singular.
O correto é "vale" porque o sujeito dessa forma verbal não é "os
produtos"; é a oração "colocar esses produtos no carrinho". Em
outras palavras, não são os produtos que valem a pena; o que vale a pena é colocar esses produtos
no carrinho.
Você já deve ter concluído que o
jornal errou ao pluralizar o verbo
"valer". O correto é "...os produtos
que vale a pena colocar no carrinho". É a proximidade do verbo
com a forma "produtos" o que induz o redator (ou o falante) a pôr
o verbo no plural.
Esse assunto é constantemente
explorado em vestibulares de
ponta, que costumam pedir ao
aluno o porquê dos desvios, além
da correção deles.
A Unicamp, por exemplo, já pediu ao candidato que apontasse a
inadequação em "São para essas
pessoas que o novo governo deve
trabalhar". A forma "são" é inadequada; deveria ser substituída
por "é": "É para essas pessoas que
o novo governo...".
O motivo de falantes agirem assim? A proximidade do verbo
("são") com um termo no plural
("pessoas", que não é sujeito).
O que temos no caso é a expressão enfática "é que", invariável:
"Nós é que sabemos..."; "Eu é que
sei..."; "É nessas horas que se vê
quem é amigo". Note que nesses
casos é possível eliminar a expressão "é que": "O novo governo deve trabalhar para essas pessoas";
"Nós sabemos..."; "Eu sei...";
"Nessas horas se vê quem é amigo". É claro que o preço dessa eliminação é a carga de ênfase que
se obtém com a expressão "é que".
Os casos de desvios de concordância por proximidade são muitos: "O nível dos rios paulistas estão baixos..."; "Cabe aos ministros decidirem a verba que será
destinada...."; "São questões que
não me cabem discutir agora".
Trataremos de alguns deles nas
próximas colunas. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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