São Paulo, quinta-feira, 25 de maio de 2000


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PASQUALE CIPRO NETO

Concordância (inadequada) por atração

Na última semana, falamos de um caso específico de concordância por atração.
Alguns leitores escreveram para lembrar uma frase bíblica ("Passará o céu e a terra"). "Passará", no singular, concorda com "céu", primeiro núcleo do sujeito posposto. Vimos que essa opção (a da concordância por atração) é tão correta quanto a que leva o verbo para o plural ("passarão"). Vimos também as implicações estilísticas de cada opção.
Um jornal publicou recentemente matéria em que se lia algo como "...os produtos que valem a pena colocar no carrinho". Que tal a concordância de "valem"?
Antes de tratar do caso, vale a pena explicar por que em "não vale a pena" não ocorre crase. A razão é para lá de simples: esse "a" não passa de mísero artigo; "pena" é sinônimo de "sacrifício", "trabalho": "não vale o sacrifício"; "não vale o trabalho".
A troca do feminino "pena" por um masculino deixa claro o motivo da inexistência do acento grave em "não vale a pena".
Voltemos à concordância de "valer" em "...produtos que valem a pena colocar no carrinho". Afinal é "valem" ou "vale"?
A coisa também é simples, embora talvez não pareça. O que você diria: "Vale a pena colocar esses produtos no carrinho" ou "Valem a pena colocar esses produtos no carrinho"? Certamente diria "vale", no singular.
O correto é "vale" porque o sujeito dessa forma verbal não é "os produtos"; é a oração "colocar esses produtos no carrinho". Em outras palavras, não são os produtos que valem a pena; o que vale a pena é colocar esses produtos no carrinho.
Você já deve ter concluído que o jornal errou ao pluralizar o verbo "valer". O correto é "...os produtos que vale a pena colocar no carrinho". É a proximidade do verbo com a forma "produtos" o que induz o redator (ou o falante) a pôr o verbo no plural.
Esse assunto é constantemente explorado em vestibulares de ponta, que costumam pedir ao aluno o porquê dos desvios, além da correção deles.
A Unicamp, por exemplo, já pediu ao candidato que apontasse a inadequação em "São para essas pessoas que o novo governo deve trabalhar". A forma "são" é inadequada; deveria ser substituída por "é": "É para essas pessoas que o novo governo...".
O motivo de falantes agirem assim? A proximidade do verbo ("são") com um termo no plural ("pessoas", que não é sujeito).
O que temos no caso é a expressão enfática "é que", invariável: "Nós é que sabemos..."; "Eu é que sei..."; "É nessas horas que se vê quem é amigo". Note que nesses casos é possível eliminar a expressão "é que": "O novo governo deve trabalhar para essas pessoas"; "Nós sabemos..."; "Eu sei..."; "Nessas horas se vê quem é amigo". É claro que o preço dessa eliminação é a carga de ênfase que se obtém com a expressão "é que".
Os casos de desvios de concordância por proximidade são muitos: "O nível dos rios paulistas estão baixos..."; "Cabe aos ministros decidirem a verba que será destinada...."; "São questões que não me cabem discutir agora".
Trataremos de alguns deles nas próximas colunas. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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