São Paulo, segunda-feira, 25 de maio de 2009

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Teresina dá barro para flagelado reerguer casa

Prefeitura oferece "kit" de R$ 1.350, com barro, telhas e paus, para que desabrigados reconstruam seus casebres de pau a pique

Paredes e chão "derreteram" na enchente no início do mês; "se, em vez de barro, dessem tijolo e cimento, a gente mesmo construía", diz vítima

LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A TERESINA (PI)

As crianças seminuas brincam no Ginásio Poliesportivo da Vila Mandacaru, na zona leste de Teresina, corpos brilhando de suor. Hora do almoço, dentro da quadra coberta a temperatura bate nos 49ºC. O telhado é de zinco e todas as aberturas estão fechadas com lona preta, para barrar chuvaradas típicas desta época. É no local que se encontram 58 desabrigados afogueados, moradores de casas de pau a pique que "derreteram" nas águas na inundação de 4 de maio.
Para eles, o prefeito Sílvio Mendes (PSDB) oferece a possibilidade de refazer suas moradias, com o que chama de "kit construção". Na prática, o poder público descarregará um monte de barro (no Piauí chamado de "massará"), telhas e paus na porta de casas desabadas, para que os flagelados levantem paredes que -todos sabem- voltarão a se desmanchar na próxima enchente. Custo do kit: R$ 1.350 cada um.
"Tem cinco anos que todo ano construo a minha casa e todo ano, nas chuvas, a casa cai", diz a bordadeira Maria da Glória Pereira da Silva, 27, mãe de três filhos. Ela recebe R$ 1 por camiseta que enfeita com lantejoulas ou canutilhos. Seu casebre está ao lado da lagoa de tratamento de esgoto da Agespisa, empresa de saneamento básico do Piauí. Com as chuvas, a lagoa encheu, o rio Poty, que passa logo ali, também, e partes das paredes de barro amassado foram levadas pelas águas, que subiram mais de metro. O cheiro adocicado do esgoto provoca náuseas -e piora sob o sol.
Casas de pau a pique são construídas há mais de mil anos. Compõem-se de paredes de madeira trançada, dentro das quais -com as mãos-, os construtores batem o barro.
Depois da enchente passada, em busca de solução, a empregada doméstica Antonia Mendes da Silva, 46, uma vida de enchentes, resolveu inovar. Comprou por R$ 60 um monte extra de barro, para subir o chão de sua moradia e salvar móveis, televisor, geladeira e fogão. "Quase a gente tinha de entrar de cócoras em casa". Não deu certo. As últimas chuvas levaram chão e duas paredes. Duas outras desafiam a gravidade.
"É muita crueldade. Se, em vez de darem barro e paus todos os anos, dessem tijolo e cimento, a gente mesmo construía enquanto espera uma moradia definitiva", diz a empregada Clarice Cassimira Gomes, 50, no sábado com diarreia (no ginásio só há dois banheiros).
Mas tem gente em situação pior. A "dona do lar", Regina Lucia Azevedo de França, 44, ficou com a família na casa sem uma das paredes, tudo mole e escorregadio, sob risco de desabar. É que ela não tinha fogão a gás. Cozinha com lenha e isso não pode no abrigo. Quando chove, marido e filho dormem, e ela, que tem câncer de pulmão, vigia as paredes para ver se estão cedendo. No sábado, ganhou um fogão, achado no lago da Agespisa. Falta o botijão.

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