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Teresina dá barro para flagelado reerguer casa
Prefeitura oferece "kit" de R$ 1.350, com barro, telhas e paus, para que desabrigados reconstruam seus casebres de pau a pique
Paredes e chão "derreteram" na enchente no início do mês; "se, em vez de barro, dessem tijolo e cimento, a gente mesmo construía", diz vítima
LAURA CAPRIGLIONE
ENVIADA ESPECIAL A TERESINA (PI)
As crianças seminuas brincam no Ginásio Poliesportivo
da Vila Mandacaru, na zona leste de Teresina, corpos brilhando de suor. Hora do almoço,
dentro da quadra coberta a
temperatura bate nos 49ºC. O
telhado é de zinco e todas as
aberturas estão fechadas com
lona preta, para barrar chuvaradas típicas desta época. É no
local que se encontram 58 desabrigados afogueados, moradores de casas de pau a pique
que "derreteram" nas águas na
inundação de 4 de maio.
Para eles, o prefeito Sílvio
Mendes (PSDB) oferece a possibilidade de refazer suas moradias, com o que chama de "kit
construção". Na prática, o poder público descarregará um
monte de barro (no Piauí chamado de "massará"), telhas e
paus na porta de casas desabadas, para que os flagelados levantem paredes que -todos sabem- voltarão a se desmanchar na próxima enchente.
Custo do kit: R$ 1.350 cada um.
"Tem cinco anos que todo
ano construo a minha casa e todo ano, nas chuvas, a casa cai",
diz a bordadeira Maria da Glória Pereira da Silva, 27, mãe de
três filhos. Ela recebe R$ 1 por
camiseta que enfeita com lantejoulas ou canutilhos. Seu casebre está ao lado da lagoa de
tratamento de esgoto da Agespisa, empresa de saneamento
básico do Piauí. Com as chuvas,
a lagoa encheu, o rio Poty, que
passa logo ali, também, e partes
das paredes de barro amassado
foram levadas pelas águas, que
subiram mais de metro. O cheiro adocicado do esgoto provoca
náuseas -e piora sob o sol.
Casas de pau a pique são
construídas há mais de mil
anos. Compõem-se de paredes
de madeira trançada, dentro
das quais -com as mãos-, os
construtores batem o barro.
Depois da enchente passada,
em busca de solução, a empregada doméstica Antonia Mendes da Silva, 46, uma vida de enchentes, resolveu inovar. Comprou por R$ 60 um monte extra
de barro, para subir o chão de
sua moradia e salvar móveis, televisor, geladeira e fogão. "Quase a gente tinha de entrar de cócoras em casa". Não deu certo.
As últimas chuvas levaram
chão e duas paredes. Duas outras desafiam a gravidade.
"É muita crueldade. Se, em
vez de darem barro e paus todos os anos, dessem tijolo e cimento, a gente mesmo construía enquanto espera uma moradia definitiva", diz a empregada Clarice Cassimira Gomes,
50, no sábado com diarreia (no
ginásio só há dois banheiros).
Mas tem gente em situação
pior. A "dona do lar", Regina
Lucia Azevedo de França, 44,
ficou com a família na casa sem
uma das paredes, tudo mole e
escorregadio, sob risco de desabar. É que ela não tinha fogão a
gás. Cozinha com lenha e isso
não pode no abrigo. Quando
chove, marido e filho dormem,
e ela, que tem câncer de pulmão, vigia as paredes para ver
se estão cedendo. No sábado,
ganhou um fogão, achado no lago da Agespisa. Falta o botijão.
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