São Paulo, quinta-feira, 25 de julho de 2002

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PASQUALE CIPRO NETO

O vaga-lume e o 0300

"Quando a Indesejada das gentes chegar..." Quem é a "Indesejada", que, no antológico poema "Consoada", mestre Bandeira grafa com inicial maiúscula? É aquela que outro mestre, Gilberto Gil, chama de "rainha" ("A morte é rainha que reina sozinha, não precisa do nosso chamado pra chegar...").
Diferentemente de Gil, Bandeira não é explícito em relação à morte. Ao chamar-lhe "Indesejada das gentes", nosso memorável poeta usa da figura do eufemismo, que, segundo a definição do "Aurélio", consiste no "ato de suavizar a expressão duma idéia substituindo a palavra ou expressão própria por uma outra mais agradável, mais polida".
O eufemismo é nosso velho companheiro. O emprego de "forte" ou "robusto" para que se faça referência a alguém de peso avantajado é exemplo conhecidíssimo. Nesse território, nossos amigos das várias "ekipekonômicas" (como diz E. Gaspari) são insuperáveis. Foi uma delas que inventou uma pérola do quilate de "fase de flexibilização de preços", malabarismo vocabular que, em bom português, significa aumento mesmo.
Policiais de alta patente também perpetram jóias do tipo "O policial se excedeu um pouquinho", frase que, em bom português, significa que o fardado agrediu ou torturou. Em seguida, vem o velho "Vamos apurar", que, lá na Mooca, onde me criei, significa "Não vamos fazer p... nenhuma".
O "p..." constitui um disfemismo, cujo significado, a esta altura, parece óbvio. Se o eufemismo é o ato de suavizar, o disfemismo é o de empregar "expressão grosseira ou desagradavelmente direta".
Pois bem, dia desses resolvi me deixar enganar. Tolinho, tolinho, enviei um e-mail a uma de nossas empresas de aviação, para expressar minha indignação com o 0300, adotado pelo serviço de reservas dessa e das outras companhias aéreas e por muitas prestadoras de "maravilhosos" serviços. O 0300 custa escorchantes 27 centavos mais impostos por minuto. É mais caro do que quase todas as tarifas interurbanas.
Sabe o que me respondeu a companhia aérea? "A XX fez altos investimentos em tecnologia e treinamento para que essa nova Central estivesse capacitada a atender plenamente as demandas de seus clientes. Desde o dia xx, nossos Clientes têm sido atendidos por consultores de viagem, que vão auxiliá-los quanto ao horário de vôo, melhores tarifas, serviços adicionais (...). Acreditamos que assim nosso Cliente receberá um serviço mais completo e personalizado. Por outro lado, tivemos que optar pelo serviço do 0300 de forma a viabilizar esse projeto de atendimento." A nota é encerrada com o valor da tarifa, sem que se informe que a ela são acrescidos os impostos.
Haja criatividade! Quanto nhenhenhém para dizer que, no Brasil, consumidor é um eufemismo de otário! E quanta falta de criatividade, também. Em matéria de eufemismo, o povo é mais talentoso. Sabe por que o "vaga-lume" tem esse nome? Porque é um lume que vaga? É o que parece, mas não é. Pode procurar nos dicionários. "Vaga-lume" é um eufemismo de uma palavra quase igual, da qual difere em apenas uma letra. Sabe qual é? Não vou dizer. Não quero ser disfêmico. Procure você mesmo. É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br


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