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PASQUALE CIPRO NETO
O vaga-lume e o 0300
"Quando a Indesejada
das gentes chegar..."
Quem é a "Indesejada", que, no
antológico poema "Consoada",
mestre Bandeira grafa com inicial maiúscula? É aquela que outro mestre, Gilberto Gil, chama de
"rainha" ("A morte é rainha que
reina sozinha, não precisa do nosso chamado pra chegar...").
Diferentemente de Gil, Bandeira não é explícito em relação à
morte. Ao chamar-lhe "Indesejada das gentes", nosso memorável
poeta usa da figura do eufemismo, que, segundo a definição do
"Aurélio", consiste no "ato de
suavizar a expressão duma idéia
substituindo a palavra ou expressão própria por uma outra mais
agradável, mais polida".
O eufemismo é nosso velho
companheiro. O emprego de "forte" ou "robusto" para que se faça
referência a alguém de peso avantajado é exemplo conhecidíssimo.
Nesse território, nossos amigos
das várias "ekipekonômicas" (como diz E. Gaspari) são insuperáveis. Foi uma delas que inventou
uma pérola do quilate de "fase de
flexibilização de preços", malabarismo vocabular que, em bom
português, significa aumento
mesmo.
Policiais de alta patente também perpetram jóias do tipo "O
policial se excedeu um pouquinho", frase que, em bom português, significa que o fardado agrediu ou torturou. Em seguida, vem
o velho "Vamos apurar", que, lá
na Mooca, onde me criei, significa
"Não vamos fazer p... nenhuma".
O "p..." constitui um disfemismo, cujo significado, a esta altura, parece óbvio. Se o eufemismo é
o ato de suavizar, o disfemismo é
o de empregar "expressão grosseira ou desagradavelmente direta".
Pois bem, dia desses resolvi me
deixar enganar. Tolinho, tolinho,
enviei um e-mail a uma de nossas
empresas de aviação, para expressar minha indignação com o
0300, adotado pelo serviço de reservas dessa e das outras companhias aéreas e por muitas prestadoras de "maravilhosos" serviços.
O 0300 custa escorchantes 27 centavos mais impostos por minuto.
É mais caro do que quase todas as
tarifas interurbanas.
Sabe o que me respondeu a
companhia aérea? "A XX fez altos
investimentos em tecnologia e
treinamento para que essa nova
Central estivesse capacitada a
atender plenamente as demandas
de seus clientes. Desde o dia xx,
nossos Clientes têm sido atendidos por consultores de viagem,
que vão auxiliá-los quanto ao horário de vôo, melhores tarifas, serviços adicionais (...). Acreditamos
que assim nosso Cliente receberá
um serviço mais completo e personalizado. Por outro lado, tivemos que optar pelo serviço do
0300 de forma a viabilizar esse
projeto de atendimento." A nota é
encerrada com o valor da tarifa,
sem que se informe que a ela são
acrescidos os impostos.
Haja criatividade! Quanto nhenhenhém para dizer que, no Brasil, consumidor é um eufemismo de otário! E quanta falta de criatividade, também. Em matéria de
eufemismo, o povo é mais talentoso. Sabe por que o "vaga-lume"
tem esse nome? Porque é um lume que vaga? É o que parece, mas
não é. Pode procurar nos dicionários. "Vaga-lume" é um eufemismo de uma palavra quase igual, da qual difere em apenas uma letra. Sabe qual é? Não vou dizer.
Não quero ser disfêmico. Procure você mesmo. É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras.
E-mail - inculta@uol.com.br
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