|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUBEM ALVES
Senhor bispo:
Por favor, instrua os seus padres informando-os de que todas as crianças vão para o céu, mesmo sem batismo
DIRIJO-ME A V. Rvma. a fim de
solicitar esclarecimentos sobre um problema que me foi
comunicado via internet por uma
mulher que desconheço. O assunto
trouxe-me grande aflição por estar
em jogo a salvação eterna da alma de
uma criança inocente.
A dita mulher me enviou um e-mail após ter lido um artigo meu sobre o batizado da minha neta Mariana do qual o celebrante não autorizado fui eu. Disse-me ela que tem
um filhinho e é seu desejo batizá-lo.
Mas o sacerdote lhe nega o batismo
sob a alegação de que ela e o pai da
criança não são casados na igreja. A
criança corre o risco de passar a
eternidade no inferno por causa do
pecado dos seus pais.
Sempre pensei que, segundo a
teologia da igreja, o fato de uma mulher ficar grávida, casada ou não casada, é sinal de que Deus deseja a dita gravidez. Pois se ele não a desejasse a gravidez não aconteceria. É somente isso que explica a interdição
do aborto em qualquer situação, inclusive nos casos em que o feto não
tem cérebro. O senhor haverá de
convir comigo que existiria uma
contradição na mente divina se
Deus aprovasse a gravidez e, ao mesmo tempo, ordenasse à instituição
que o representa que lhe negasse o
batismo. Imaginemos que uma mulher engravide como resultado de
um estupro. O seu filhinho está condenado a uma eternidade no limbo?
Imaginemos uma mulher e seu
companheiro. Eles muito se amam.
Mas não são casados sacramentalmente. Sei que o amor não importa.
Aprendi isso de um padre que, numa
homilia de casamento, disse aos nubentes: "Não é o seu amor que faz o
seu casamento. É o contrato."
Muito embora os textos sagrados
digam que Deus é amor, e o apóstolo
Paulo tenha dito que o amor é a
maior de todas as virtudes, o fato é
que, para a teologia da igreja, quem
não casou na igreja está num estado
de concubinato. Os companheiros
estão em pecado e impedidos de receber os sacramentos. Eles têm um
filhinho que não pode ser batizado.
Aí o marido morre num acidente.
Agora, graças à morte do marido, a
mulher não mais se encontra numa
relação pecaminosa. A criança pode
ser batizada. E se o companheiro da
mulher que me enviou a carta morrer, o seu filho poderá ser batizado?
De todos os santos o de minha devoção mais forte é santo Expedito.
Ele tem a palavra "hoje" escrita na
sua cruz. Santo Expedido não deixa
para amanhã. O milagre acontece no
mesmo dia. Pois contou-me uma
piedosa senhora sobre um milagre
de santo Expedito. Uma amiga sua
sofria muito nas mãos de um marido
cruel. Ela orou a santo Expedito e o
seu pedido foi atendido no mesmo
dia. O seu marido se enforcou. Trata-se, eu penso, do primeiro suicídio
milagroso de que há registro. Pergunto: "Seria adequado à mulher
que me escreveu apelar para os serviços rápidos de santo Expedito?
Quem é que o santo mataria? O marido ou o padre? Se ele me pedisse
conselho eu diria: "Mate o padre..."
Por favor, senhor bispo: instrua
pastoralmente os seus padres informando-os de que todas as crianças
vão para o céu, mesmo sem batismo,
não importando que seus pais sejam
católicos, protestantes, hinduístas,
espíritas, umbandistas, do candomblé, budistas, xintoístas, judeus,
maometanos, ateus e quantas religiões haja. Fraternalmente, Dominus vosbiscum. Rubem Alves
Texto Anterior: PCC expande ação para o Paraguai Próximo Texto: Consumo: Software comprado na Kalunga não funciona, afirma usuário Índice
|