São Paulo, quinta-feira, 25 de agosto de 2011

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PASQUALE CIPRO NETO

"Se as houver"


"Será um prazer encaminhar observações sobre o texto (se as houver, bem entendido)"

"SE AS HOUVER." É assim que um dos meus filhos costuma responder-me quando encerro nossa conversa (falada ou escrita) com "Dê-me notícias". Adepto do "No news, good news" ("Se não há notícias, as notícias são boas"), esse "menino" (de 30 anos) gosta da comunicação sintética, sobretudo quando escreve.
Resolvi tratar do assunto porque uma leitora me escreveu esta mensagem, que resumi: "Respondi ao e-mail de colega que pedia desculpas por um determinado fato (...) e dizia que observações seriam bem-vindas. Respondi da seguinte forma: Desculpe a mim pelo engano.
(...) Será um prazer encaminhar observações sobre o texto (se as houver, bem entendido)". A leitora me pergunta se são corretas as formas "desculpe a mim" e "se as houver".
"Desculpe a mim" é equivalente a "Desculpe-me", assim como "Beijou a mim" equivale a "Beijou-me" e "Disse a mim" equivale a "Disse-me". É sempre bom lembrar a bela canção "Ela É Carioca" (melodia de Tom Jobim; letra de Vinicius de Moraes), em que há esta passagem: "Ela é meu amor, só me vê a mim, a mim que vivi para encontrar na luz do seu olhar a paz que sonhei...".
Note-se que a forma "Desculpe a mim" (com o pronome oblíquo tônico "mim") se impõe (sobre "Desculpe-me") quando o contexto é de ênfase, o que ocorre na mensagem da leitora. Nesse caso, a leitora quer dizer que é ela quem deve pedir desculpa. Com a forma "Desculpe-me", não se obteria o mesmo efeito.
Vamos ao segundo ponto ("se as houver"). Temos aí o verbo "haver" com o sentido de "existir", caso em que, como se sabe, "haver" é impessoal, ou seja, não apresenta sujeito e, por isso, é sempre empregado na terceira pessoa do singular, independentemente do tempo em que seja flexionado: "Há observações" ("Havia/Houve/Haverá/Caso haja/ Se houvesse observações").
É bom lembrar que o verbo "existir" não tem nada com a história, já que sempre tem sujeito e concorda com ele: "Existem observações" ("Existiam/Existirão observações/ Caso existam observações/Se existirem observações"). Em todos esses casos, o sujeito é "observações". Nos exemplos do parágrafo anterior (em que o verbo é "haver", com o sentido de "existir"), o sujeito é zero, isto é, não há sujeito.
Se na mensagem da leitora fosse empregado o verbo "existir", teríamos isto: "Será um prazer encaminhar observações sobre o texto (se elas existirem...)". O prezado leitor notou que "se as houver" se transforma em "se elas existirem"? Por quê? Porque o verbo "existir" é pessoal e, por isso, tem sujeito ("elas", que representa "observações").
E o verbo "haver"? Vejamos o que diz o "Houaiss": "Haver, usado como verbo impessoal, não deixa de ser transitivo". Em outras palavras, isso significa que o que funciona como sujeito de "existir" exerce papel de complemento, ou seja, de objeto (direto) de "haver". Como se sabe, na língua padrão o pronome oblíquo que substitui complemento direto da terceira pessoa é "o" (e respectivas flexões _"a", "os" e "as").
Moral da história: como em "Se houver observações" o substantivo "observações" é complemento direto de "houver", o pronome oblíquo cabível para substituir esse substantivo é "as": "Se houver observações" = "Se as houver"; "Se houver notícias" = "Se as houver"; "Se houvesse limites" = "Se os houvesse". Cabe dizer que essas construções, típicas da linguagem culta formal, são hoje pouco comuns no Brasil.
Seria interessante trocarmos duas palavras sobre a fixação do verbo "haver" como impessoal (quando tem o sentido de "existir", "ocorrer", "acontecer"), mas isso fica para outra ocasião. É isso.

inculta@uol.com.br


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