|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"Fui mal interpretado", diz juiz que ligou mulher à desgraça
Edilson Rodrigues, de Sete Lagoas (MG), afirmou que estava defendendo mulheres ao considerar a Lei Maria da Penha inconstitucional
JOHANNA NUBLAT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, 52, de Sete Lagoas (MG), disse ontem que foi
mal-interpretado na sentença
em que considera inconstitucional a Lei Maria da Penha,
um marco da defesa da mulher
contra a violência doméstica.
Na sentença, cujos principais
trechos foram divulgados pela
Folha no último domingo, Rodrigues se refere à lei como um
"monstrengo tinhoso" e "um
conjunto de regras diabólicas".
Com a sentença, afirmou, estava "defendendo a mulher".
"Vocês mulheres são usadas
em discurso de campanha e
num feminismo que não faz vocês felizes", disse Rodrigues,
que é divorciado e está no segundo casamento.
Pai de quatro filhos -o mais
novo de três anos-, ele culpa,
na sentença, a lei por tornar o
homem um "tolo" e cita a Bíblia
para dizer que a "desgraça" humana começa com a mulher.
Em nota divulgada ontem, o
juiz coloca a pergunta: "Tivesse
eu me valido de poetas como
Carlos Drummond de Andrade,
João Cabral de Melo Neto ou
Guimarães Rosa (...) talvez não
estaria também sendo criticado! Por que, então, não posso
-ainda que uma vez na vida,
outra na morte- citar Jesus, se
é Ele o poeta dos poetas e o filósofo dos filósofos?".
Ao explicar o que quis dizer
com "o mundo é e deve continuar sendo masculino ou de
prevalência masculina", frase
que consta da sentença, o juiz
usou um exemplo.
Disse que, no caso de impasse entre um casal, numa situação doméstica, a posição do homem deveria prevalecer até
posterior decisão da Justiça, já
que "não será do agrado da esposa que fosse o inverso, porque, repito, a mulher não suporta o homem emocionalmente frágil, pois é exatamente
por ele que ela quer se sentir
protegida".
Ainda na nota, Rodrigues explica que considerou a lei inconstitucional por tratar apenas da mulher e ignorar a condição doméstica do homem.
Depois de dar entrevista a jornais locais, o juiz falou com a
Folha por telefone. Evitou explicar as expressões usadas na
sentença (como "o mundo é
masculino!!" e "Jesus era homem!"), disse que preferia utilizar as explicações contidas na
nota. Leia a íntegra da nota em
www.folha.com.br/072975
FOLHA - O que o sr. quis dizer com
frases como "a desgraça humana
começou por causa da mulher"?
EDILSON RUMBELSPERGER RODRIGUES - O tema é muito vasto e
delicado, então, se eu falar dois
minutos por telefone, posso,
novamente, ser mal-interpretado. Sugiro que leia a lei [Maria da Penha], depois a nossa
decisão e, só depois, a nota de
esclarecimento. Tenho certeza
de que ainda que continue discordando de mim e ainda se
sinta animada a atirar pedras,
pelo menos o número de pedras será menor.
No fundo, estou defendendo
a mulher. Vocês mulheres são
usadas em discurso de campanha e num feminismo que não
faz vocês felizes.
FOLHA - O CNJ (Conselho Nacional
de Justiça) está estudando abrir um
processo disciplinar contra o senhor.
O que pretende fazer?
RODRIGUES - É um direito do
CNJ abrir o processo. Mas, para ser sincero, não me parece
justo, porque foi o posicionamento de um magistrado. Certo ou errado, foi o posicionamento do magistrado. A gente
vai acatar com toda a reverência a decisão do CNJ, mas não
concordo com o processo, acho
que não há necessidade, que
não é por aí, não sou nenhuma
pessoa maldosa, fui fiel à minha
consciência.
E, com a nota de esclarecimento, não me parece justa
uma punição. Durante 17 anos
de magistratura e 52 de vida,
nunca violei meus princípios.
Se sua convicção é assim ou assado e você está seguro da sua
posição, então você não tem
que se acovardar diante de si
mesmo.
FOLHA - Como foi a repercussão do
caso entre amigos e colegas de trabalho?
RODRIGUES - Vi muitos discordando de mim na imprensa,
mas vi muitas pessoas concordando com o debate que a minha decisão enseja.
Vi também outros dizendo
que concordam, mas que não
teriam coragem de dizer o que
eu disse.
FOLHA - E como foi a reação da sua
mulher?
RODRIGUES - Não houve problema nenhum, porque ela me conhece. É natural [a confusão]
com as pessoas que não me conhecem e, por isso, eu tenho
que esclarecer tanto. Ela sabe
qual foi a finalidade, a base jurídica, as bases sociológica, filosófica e ética em virtude das
quais eu discorri todo esse pensamento.
Texto Anterior: Outro lado: Serviço prisional português nega maus-tratos Próximo Texto: Votorantim: 5 estudantes são mortos em chacina Índice
|