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Que a terrível profecia não se cumpra
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Após três meses de água,
durante os quais o sol só
fez breves aparições, os
moradores de Florianópolis voltaram a levar a sério
um dito dos antigos nativos: "Quando chove na lua
cheia de agosto, seguem-se sete meses de chuva".
Formada por bairros separados uns dos outros
por morros, lagoas, rios,
matas e mangues, a capital
catarinense se tornou um
conjunto de ilhas dentro
da ilha. Deslizamentos de
terra, enchentes, estradas
bloqueadas, aulas suspensas na rede pública: cada
um fica no seu canto esperando que a terrível profecia não se cumpra.
Na Lagoa da Conceição,
onde moro, a rotina mudou radicalmente. Ruas
desertas, sem os habituais
caminhantes matinais,
sem ciclistas, sem os desocupados que matam tempo nos cafés, sem os pequenos congestionamentos rumo às praias da Joaquina, Mole e Campeche.
Os moradores do bairro,
refiro-me ao "centrinho"
da Lagoa, só saem de casa
em pequenas corridas ao
supermercado, à farmácia
ou aos restaurantes a quilo
quando a chuva amaina.
Esgueiram-se sob marquises, chafurdam nas poças
e, quando se encontram, só
têm um assunto: a chuva,
as goteiras, as quedas de
energia, a roupa mofada.
Os turistas vão contrariados de um café a outro,
olhando com desânimo
para o céu carregado.
Uma amiga, dona de
agência de viagens, diz não
agüentar mais as reclamações dos visitantes. Sem
um órgão público de apoio,
eles invadem a agência para reclamar. Um dinamarquês chegou a dizer, brandindo um guia: "Fui enganado. Aqui diz que a cidade
é linda e cheia de opções".
Mas o desapontamento
dos turistas é a face mais
leve de um baixo-astral generalizado que domina a
ilha de Santa Catarina, ao
lado da preocupação com
tragédias maiores, tais como as que acometem as cidades do vale do Itajaí.
As lembranças do dilúvio de 1983, do apagão de
2003 e do ciclone Catarina
(2004) continuam vivas
entre os moradores. Para
muitos, a chuva atual é
mais uma praga que a natureza manda de quando
em quando para matizar a
imagem paradisíaca deste
privilegiado "pedacinho de
terra perdido no mar", como canta o hino da cidade.
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