São Paulo, terça-feira, 25 de novembro de 2008

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Que a terrível profecia não se cumpra

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Após três meses de água, durante os quais o sol só fez breves aparições, os moradores de Florianópolis voltaram a levar a sério um dito dos antigos nativos: "Quando chove na lua cheia de agosto, seguem-se sete meses de chuva".
Formada por bairros separados uns dos outros por morros, lagoas, rios, matas e mangues, a capital catarinense se tornou um conjunto de ilhas dentro da ilha. Deslizamentos de terra, enchentes, estradas bloqueadas, aulas suspensas na rede pública: cada um fica no seu canto esperando que a terrível profecia não se cumpra.
Na Lagoa da Conceição, onde moro, a rotina mudou radicalmente. Ruas desertas, sem os habituais caminhantes matinais, sem ciclistas, sem os desocupados que matam tempo nos cafés, sem os pequenos congestionamentos rumo às praias da Joaquina, Mole e Campeche.
Os moradores do bairro, refiro-me ao "centrinho" da Lagoa, só saem de casa em pequenas corridas ao supermercado, à farmácia ou aos restaurantes a quilo quando a chuva amaina. Esgueiram-se sob marquises, chafurdam nas poças e, quando se encontram, só têm um assunto: a chuva, as goteiras, as quedas de energia, a roupa mofada.
Os turistas vão contrariados de um café a outro, olhando com desânimo para o céu carregado.
Uma amiga, dona de agência de viagens, diz não agüentar mais as reclamações dos visitantes. Sem um órgão público de apoio, eles invadem a agência para reclamar. Um dinamarquês chegou a dizer, brandindo um guia: "Fui enganado. Aqui diz que a cidade é linda e cheia de opções".
Mas o desapontamento dos turistas é a face mais leve de um baixo-astral generalizado que domina a ilha de Santa Catarina, ao lado da preocupação com tragédias maiores, tais como as que acometem as cidades do vale do Itajaí.
As lembranças do dilúvio de 1983, do apagão de 2003 e do ciclone Catarina (2004) continuam vivas entre os moradores. Para muitos, a chuva atual é mais uma praga que a natureza manda de quando em quando para matizar a imagem paradisíaca deste privilegiado "pedacinho de terra perdido no mar", como canta o hino da cidade.


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