São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010

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PASQUALE CIPRO NETO

Perfeito e imperfeito


Os diferentes pretéritos existem porque os fatos ocorridos no passado podem ter diferentes aspectos

NA ÚLTIMA COLUNA, mencionei uma questão do recente vestibular da Unesp que tratava de dois dos pretéritos do modo indicativo (o imperfeito e o perfeito). Vimos que, lamentavelmente, a banca restringiu a questão à mera identificação dos tempos. O ideal, nesses casos, é exigir também (e sobretudo) o conhecimento do valor e do emprego de cada tempo, mormente quando se trata de uma narrativa do porte do monumental romance "Vidas Secas" (de Graciliano Ramos), objeto da questão formulada pela Unesp.
Não foram poucos os leitores que me pediram que explicasse justamente o valor desses tempos, tomando por base o nome que têm. "Por que "perfeito'?", "Por que "imperfeito'?", perguntaram os leitores.
Pois bem. Vindo para o jornal, ouvi pelo rádio um coronel da PM do Rio de Janeiro falar das ações de seus comandados na atual onda de ataques do crime organizado fluminense. A certa altura, o militar empregou o termo "pretéritas" ("ações pretéritas"). Chique, muito chique.
Como o caro leitor certamente sabe, ações pretéritas são ações passadas. Os pretéritos, portanto, expressam fatos passados. Os diferentes pretéritos existem porque há diferentes maneiras de expressar esse passado, ou melhor, os fatos ocorridos no passado podem ter diferentes ordenamentos ou aspectos.
Comecemos, então, pela palavra "perfeito", que, não custa lembrar, é o particípio de "perfazer". Quando se diz, por exemplo, que uma conta perfaz X reais, diz-se que esse é o total da conta. "Perfazer" tem, entre outros, o significado de "fazer completamente", "tornar completo". Quando alguém analisa um trabalho e diz "Perfeito!", quer dizer que esse trabalho é maravilhoso, excelente etc. Por quê? Porque, se é perfeito, é completo, não lhe falta nada, não falta fazer nada de nada...
O pretérito perfeito é perfeito porque é acabado, totalmente concluído. Em "O Fluminense goleou o São Paulo", por exemplo, empregou-se a forma "goleou" justamente porque o fato expresso pertence ao passado e está totalmente concluído. Alguém pode estar com vontade de dizer que, nos jornais, o tempo verbal é ou seria outro ("Fluminense goleia São Paulo"). Sim, de fato os jornais optariam pelo presente, que, como se sabe, pode muito bem ser empregado com valor de pretérito -e em mais de uma situação.
Nos jornais, adota-se esse recurso para aproximar a cena, torná-la mais viva, mais atual. Nas aulas de história, é comum o/a professor/a empregar o presente no lugar do pretérito ("A crise de 29 estabelece o caos econômico e social...").
No caso do texto abordado pela Unesp (fragmento de "Vidas Secas"), o pretérito perfeito predominou na passagem em que se relatavam fatos específicos de um determinado episódio (Fabiano acertando as contas com o patrão).
E o imperfeito? Obviamente, é o não perfeito, ou seja, o que não está totalmente concluído. Quando se diz, por exemplo, que o Santos de Pelé goleava impiedosamente muitos dos seus adversários, também se fala do passado, mas de um passado que não é pontual, específico, totalmente concluído, isto é, de um processo que era frequente, que ocorreu diversas vezes e cujo término não foi apresentado ou situado.
Bem, a esta altura o leitor deve estar perguntando sobre o terceiro pretérito da turma, o mais-que-perfeito, cujo nome... Bem, esse tempo verbal vai ficar para depois. É isso.

inculta@uol.com.br


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