São Paulo, quinta-feira, 25 de novembro de 2010

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ANÁLISE

Cenário de beleza, Rio mantém a saga de ser a síntese do país


UPPs VIERAM COMO ALTERNATIVA AO TRÁFICO E FORAM ACOLHIDAS PELOS MORADORES. ATÉ QUE INCOMODADOS RESOLVERAM DAR A RESPOSTA

ALBA ZALUAR
ESPECIAL PARA A FOLHA

O Rio de Janeiro é uma cidade de belos cenários, mas vulnerável por causa dos seus portos e aeroportos, onde contrabandistas, militares e policiais corruptos fazem a festa dos traficantes sempre em guerra entre si ou com a polícia. Armas, munições e drogas entram muito facilmente na cidade.
Há também o cenário de nenhuma beleza que a natureza não criou. Já virou lugar-comum dizer que bairros e favelas onde moram pessoas de estratos sociais marcados pela baixa renda, baixa escolaridade, famílias chefiadas por mulheres, com altas taxas de gravidez na adolescência, são bairros onde se encontram os jovens vulneráveis às atrações do tráfico.
E este há muito tempo virou sinônimo guerra.
Nesse cenário sem beleza social, a lógica da guerra foi se expandindo entre os jovens vulneráveis, que passaram a andar armados para evitar ser vítimas dos pares igualmente armados e para gozar do prestígio adquirido pelas armas.
Com o agrave de que, na guerra, sentem-se na obrigação de ajudar quando as quadrilhas e seus comandos forem ameaçados. Dessa ajuda depende o conceito ou a consideração que terão com os "donos do morro" e o orgulho de serem capazes de destruir fisicamente todo e qualquer rival encarado como inimigo mortal.
Antes, a guerra principal era entre os comandos de tráfico, hoje, há um inimigo comum, que é a policia e sua nova política de segurança.
Para piorar a situação dos traficantes na cidade, cada vez é maior o número de favelas dominadas por milícias, nome genérico que pode se referir a simples vizinhos vigilantes ou a quadrilhas organizadas de policiais, militares, bombeiros, alguns ex, que passaram a se oferecer como mantenedores da segurança nos locais cheios de vulnerabilidades sociais e falhas do poder público.
As UPPs vieram a ser apresentadas como uma alternativa para os comandos do tráfico e as milícias nas mil favelas hoje existentes. E foram acolhidas pelos moradores e o seu entorno.
O preço dos imóveis aumentou, as pessoas tinham o seu ir e vir assegurado, não se viam mais jovens armados de fuzis e metralhadoras, não se ouvia mais tiro.
Até que os incomodados, que se mudaram para outras favelas e cidades, resolveram dar uma resposta a essa grave ameaça aos seus domínios. E começaram a aterrorizar os moradores de toda a cidade dos cenários maravilhosos e dos contextos sociais horripilantes.
Assim, o Rio continua a sua saga de ser a síntese deste pais, também abençoado pela natureza, mas com muito a dever aos seus habitantes. Até quando?


ALBA ZALUAR, antropóloga, é coordenadora do Núcleo de Pesquisa em Violências da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)


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