São Paulo, segunda-feira, 25 de dezembro de 2000

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Oficinas comunitárias tiram jovens das ruas

ESTANISLAU MARIA
DA REPORTAGEM LOCAL

Com ofertas de trabalho para pintar fachadas de padarias, escolas, muros de lava-rápidos e postos de gasolina, os adolescentes Spif e Suco terão um Natal diferente neste ano.
Os dois garotos deixaram de ser "pichadores de muro" e agora são grafiteiros em uma das regiões mais violentas de São Paulo, o Jardim Ângela.
No começo do ano, eles trocaram as ruas pelas oficinas da Sociedade Santos Mártires, uma ONG ligada à paróquia homônima, coordenada pelos padres irlandeses Jaime Crowe e Eduardo McGettrick. Ambos estão no Brasil há mais de uma década.
Ao todo, são quase 2.000 pessoas atendidas nos serviços da Santos Mártires. Entres elas, Spif e Suco, dois estudantes da 8.ª série que, com latas de spray nas mãos, aproveitam a chance de escrever uma história diferente de muitos amigos deles: meninos pobres que morreram no crime ou foram mortos pela polícia e viraram mais uma estatística no Ângela -como eles chamam o bairro.
Eles explicam que, no mundo do grafite, os artistas geralmente escolhem nomes que são siglas de uma mensagem ou frase que expresse um sentimento.
Assim, Cláudio Sacramento Figueiredo, 16, é Spif (Significado do Pensamento Infinito), e Tiago do Nascimento Menezes, 14, é Suco (Somente Unidos Conseguiremos Oportunidade).
Filho de um eletrotécnico e de uma cozinheira, Spif estuda à noite e faz bicos como ajudante de pedreiro.
Suco é o terceiro de cinco filhos em uma família que mora só com a mãe e é sustentada pelos irmãos mais velhos, de 18 e 21 anos. Os pais estão desempregados.
Além da oportunidade de sair das ruas, segundo o padre Jaime Crowe, os cursos ajudam também a melhorar a auto-estima dos jovens. "A resposta das famílias e das escolas também é boa. A evasão escolar e as brigas em casa diminuíram", conta Crowe.
Com um grupo de cem funcionários e mais de 500 voluntários, a ONG mantém creches, centros de juventude, serviços de assistência a dependentes de drogas e a mulheres vítimas de violência doméstica.
Oferece ainda cursos profissionalizantes de grafitagem, discotecagem, padaria e informática, aulas de capoeira, dança, ética e cidadania e mantém 23 turmas de alfabetização para adultos. Cerca de 600 novos alfabetizados fizeram a festa de formatura no último domingo.

Drogas
As oficinas da paróquia atendem adolescentes infratores do bairro, que estão em regime de liberdade assistida.
Praticamente toda a renda da Santos Mártires é obtida por meio de convênios com a prefeitura ou com o Estado.
O trabalho de ajuda a dependentes de droga (a maioria de álcool, cocaína e crack) tem a parceria da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).
A assistência a mulheres vítimas de violência conta com o trabalho voluntário de quatro psicólogas e uma advogada.
"Mas ainda é pouco. A população no entorno da paróquia chega a 200 mil pessoas", diz o padre. "Procuramos ampliar parcerias com o poder público e estamos atrás da iniciativa privada e mais voluntários." Até a elaboração do site da entidade foi paralisada por falta de profissionais.
"O nosso trabalho começou com creches, em 1989, e fomos crescendo. Tentamos atender às necessidades do bairro, na medida em que elas aparecem", explica Crowe.
Atualmente, a comunidade tenta implantar um projeto de reciclagem de lixo e de geração de renda para 40 pessoas, mas ainda não conseguiu patrocínio.
Os atuais programas mantêm os 13 da paróquia, localizados em vários pontos do bairro, diariamente ocupados.

Segunda chance
O trabalho no Ângela também ofereceu uma segunda chance para a administradora de empresas Cilene Amorim Santos, 30, como professora na comunidade.
"Trabalhei 11 anos em empresas privadas na área de recursos humanos, mas não me sentia útil", afirma ela.
Cilene começou como voluntária e, na primeira chance que teve, há dez meses, abandonou a área de recursos humanos e foi contratada pela Santos Mártires.
Ela não revela o salário, mas conta que ganha pouco mais da metade do que ganhava antes, quando cumpria horário das 8h às 18h.
Hoje, ela trabalha das 7h às 12h, dá aulas de ética e ainda compartilha reuniões e encontros com jovens e até aulas de capoeira.


Texto Anterior: Cidadania: Periferia se organiza e cria projetos sociais
Próximo Texto: Emprego é alternativa ao crime
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.