UOL


São Paulo, quinta-feira, 25 de dezembro de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Endereço leva cidadania ao extremo sul

DA REPORTAGEM LOCAL

Há praticamente um ano e meio, moradores de Engenheiro Marsilac, extremo da zona sul de São Paulo, deixaram de ser pessoas sem-endereço e passaram a ser cidadãos com-endereço. A mudança do prefixo faz toda diferença na vida de uma população que, para chegar ao centro da cidade, tem de percorrer 60 quilômetros, em quase três horas de viagem, por um caminho onde asfalto é benefício limitado a pouquíssimas vias e emprego resume-se à lavoura.
Por enquanto, as 363 famílias têm como destino das correspondências uma mesma rua e um único número, mas suas individualidades são respeitadas por meio de caixa postal. Foi o jeito que os Correios encontraram para facilitar a vida dessa população esquecida no fim de São Paulo.
"As pessoas que não conseguem receber uma correspondência é como se não existissem", argumenta a presidente da Acoema (Associação Comunitária de Engenheiro Marsilac e Adjacências), Maria Lúcia Cirillo. É para a associação que são enviadas as cartas dos habitantes do distrito.

Asfalto
Quando chegam, Cirillo separa cada uma e as coloca nas caixas postais instaladas em uma sala alugada pela comunidade para essa finalidade. Antes, as correspondências eram dirigidas à padaria ou à escola do bairro.
Cirillo passou pelo constrangimento de não ter um endereço e sabe bem o que isso significa. Moradora de Marsilac há 20 anos, ela lembra que quando trabalhava em uma fábrica, em Santo Amaro, dava ao banco ou às lojas o nome da rua de seu trabalho como se fosse seu endereço particular. "Só passei a receber as correspondências na minha casa quando vim morar no asfalto", conta. Para ela, "ter um endereço é o início da cidadania".
Maria Lúcia Cirillo é bem conhecida em Marsilac. As pessoas a procuram para ouvir conselhos, para pedir que encaminhe benfeitorias para o bairro ou mesmo para comprar um cartão de Natal, uma bala ou uma pipa em sua loja, que vende de tudo um pouco.
Organizada, anota tudo em um livro cujas folhas já estão se despregando, mas mantém a ordem dos papéis. "Algumas pessoas não põem o número da caixa postal e eu tenho de procurar no livro", conta, enquanto manuseia as folhas. "Outras ainda põem o endereço da casa delas, que não existe oficialmente e, portanto, não dá para receber as cartas."

Guarda-objetos
Ela afirma que há moradores que usam a caixa postal comunitária também para guardar objetos pessoais. "Às vezes, a pessoa vai para o centro da cidade e não quer levar a carteira, com medo de ser assaltada, e deixa aqui, levando apenas o dinheiro e algum documento."
Por volta das 16h, diariamente, chega o carteiro Lourival dos Santos Pires, 45 anos, 25 dos quais na profissão. Desse tempo todo, 20 anos ele passou trabalhando na região do Aeroporto, na zona sul. "Eu era bem conhecido por lá e fiz muitos amigos." Alguns desses conhecidos ele viu crescer e ter filhos. "Tinha carta que eu nem olhava pelo endereço; já sabia o destinatário pelo nome."
Há cinco anos Pires entrega as correspondências em Marsilac, onde também mora desde que nasceu. Ele demora mais tempo para chegar ao bairro, de Kombi, do que na entrega propriamente dita. "Aqui tem só quatro ruas que têm nome e onde é fácil entregar; o restante das correspondências vai para as caixas postais."


Texto Anterior: Associações pedem caixas comunitárias
Próximo Texto: Frases
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.