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Endereço leva cidadania ao extremo sul
DA REPORTAGEM LOCAL
Há praticamente um ano e
meio, moradores de Engenheiro
Marsilac, extremo da zona sul de
São Paulo, deixaram de ser pessoas sem-endereço e passaram a
ser cidadãos com-endereço. A
mudança do prefixo faz toda diferença na vida de uma população
que, para chegar ao centro da cidade, tem de percorrer 60 quilômetros, em quase três horas de
viagem, por um caminho onde
asfalto é benefício limitado a pouquíssimas vias e emprego resume-se à lavoura.
Por enquanto, as 363 famílias
têm como destino das correspondências uma mesma rua e um
único número, mas suas individualidades são respeitadas por
meio de caixa postal. Foi o jeito
que os Correios encontraram para facilitar a vida dessa população
esquecida no fim de São Paulo.
"As pessoas que não conseguem receber uma correspondência é como se não existissem",
argumenta a presidente da Acoema (Associação Comunitária de
Engenheiro Marsilac e Adjacências), Maria Lúcia Cirillo. É para a
associação que são enviadas as
cartas dos habitantes do distrito.
Asfalto
Quando chegam, Cirillo separa
cada uma e as coloca nas caixas
postais instaladas em uma sala
alugada pela comunidade para essa finalidade. Antes, as correspondências eram dirigidas à padaria ou à escola do bairro.
Cirillo passou pelo constrangimento de não ter um endereço e
sabe bem o que isso significa. Moradora de Marsilac há 20 anos, ela
lembra que quando trabalhava
em uma fábrica, em Santo Amaro, dava ao banco ou às lojas o nome da rua de seu trabalho como
se fosse seu endereço particular.
"Só passei a receber as correspondências na minha casa quando
vim morar no asfalto", conta. Para ela, "ter um endereço é o início
da cidadania".
Maria Lúcia Cirillo é bem conhecida em Marsilac. As pessoas a
procuram para ouvir conselhos,
para pedir que encaminhe benfeitorias para o bairro ou mesmo para comprar um cartão de Natal,
uma bala ou uma pipa em sua loja, que vende de tudo um pouco.
Organizada, anota tudo em um
livro cujas folhas já estão se despregando, mas mantém a ordem
dos papéis. "Algumas pessoas
não põem o número da caixa postal e eu tenho de procurar no livro", conta, enquanto manuseia
as folhas. "Outras ainda põem o
endereço da casa delas, que não
existe oficialmente e, portanto,
não dá para receber as cartas."
Guarda-objetos
Ela afirma que há moradores
que usam a caixa postal comunitária também para guardar objetos pessoais. "Às vezes, a pessoa
vai para o centro da cidade e não
quer levar a carteira, com medo
de ser assaltada, e deixa aqui, levando apenas o dinheiro e algum
documento."
Por volta das 16h, diariamente,
chega o carteiro Lourival dos Santos Pires, 45 anos, 25 dos quais na
profissão. Desse tempo todo, 20
anos ele passou trabalhando na
região do Aeroporto, na zona sul.
"Eu era bem conhecido por lá e fiz
muitos amigos." Alguns desses
conhecidos ele viu crescer e ter filhos. "Tinha carta que eu nem
olhava pelo endereço; já sabia o
destinatário pelo nome."
Há cinco anos Pires entrega as
correspondências em Marsilac,
onde também mora desde que
nasceu. Ele demora mais tempo
para chegar ao bairro, de Kombi,
do que na entrega propriamente
dita. "Aqui tem só quatro ruas
que têm nome e onde é fácil entregar; o restante das correspondências vai para as caixas postais."
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