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NO MORRO
Composta por dez mulheres, a chapa rosa conseguiu a instalação dos primeiros telefones públicos e o respeito da comunidade
No comando, mulheres trazem melhorias ao Salgueiro
SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO
A favela do Salgueiro, uma das
mais violentas do Rio, está sendo
comandada pela primeira vez por
dez mulheres. Elas venceram a
eleição da associação de moradores do morro, que fica no bairro
da Tijuca, na zona norte da cidade, derrotando duas outras chapas compostas só por homens.
Eleitas em abril de 2002, as dez
mulheres dizem que já obtiveram
uma importante conquista. Segundo a presidente Anete Maria
da Silva, 41, o narcotráfico continua, mas ao menos não interfere
mais nas decisões da associação.
"Eles passaram a nos respeitar.
Nós não nos metemos com eles, e
eles não se metem com a gente."
"Quando eles nos atrapalham,
usando drogas ou exibindo armas
nos locais onde desenvolvemos
projetos educacionais para crianças e adolescentes, pedimos para
eles saírem. Normalmente, aceitam numa boa", completa Anete.
A idéia de formar um grupo só
de mulheres surgiu de pedidos da
própria comunidade, por achar
que o sexo oposto não estava sendo capaz de levar melhorias à favela. "A mulher é vista como uma
pessoa mais séria, mais responsável e, principalmente, mais persistente. Acho que foi isso que levou
tanta gente a votar em nós", argumenta Elisabeth Lopes Abreu, 45,
vice-presidente da associação.
A formação da chapa procurou
abranger mulheres atuantes em
áreas diversas e de diferentes idades. São cabeleireiras, secretárias
e agentes comunitárias. A mais
nova tem 17 anos e ocupa o posto
de secretária. A mais velha, com
74, é a conselheira da entidade.
A chapa rosa, como foi batizada,
conseguiu vencer as outras duas
com grande diferença de votos.
Foram 380 votos contra 202 do segundo colocado e 35 do terceiro.
Uma vez eleitas, começou a parte árdua do trabalho, cujas propostas eram bastante ambiciosas.
Água encanada para todos (no
morro, o serviço de água funciona
em esquema de rodízio, que serve
diferentes setores da favela a cada
dia), implantação de cursos profissionalizantes e a criação de um
banco de empregos. E também a
reforma da Fundação Leão 13,
que antes dispunha de médicos e
dentistas, serviço de creche e de
distribuição de remédios e que
atualmente oferece somente os
serviços de documentação e fornecimento de leite.
As ampliações dos serviços de
carteiro comunitário -hoje são
apenas dois para servir uma população de 6.200 pessoas- e de
coleta de lixo são outros dois objetivos da associação feminina.
"O lixo é um dos grandes problemas da favela. Além disso, temos o problema da falta de luz em
alguns pontos do morro. Parece
besteira, mas para uma comunidade que já convive com tantos
problemas, como a violência, isso
é fundamental", diz Anete.
A manutenção do programa Favela-Bairro, da Prefeitura do Rio,
parado há um ano, e a conquista
do projeto Médicos de Família
(profissionais que atendem nas
residências) são mais duas metas.
A presidente admite que o tempo é curto para tantas prioridades
-o mandato da associação é de
dois anos-, mas, na sua opinião,
o fato de ser uma associação formada por mulheres ajuda inclusive nesse aspecto.
"É mais fácil lidar com a comunidade. Encontramos mais boa
vontade, as pessoas estão mais
dispostas a ajudar e a colaborar.
Elas dizem que somos mais educadas e atenciosas e se sentem na
obrigação de retribuir."
Enquanto não conseguem alcançar todos os seus objetivos, as
mulheres do Salgueiro vão dando
seu toque à favela. Jardins floridos
podem ser vistos em pontos onde
antes só havia barro. Cinco telefones públicos já foram instalados
nas principais ruas do morro. Até
então, não havia nenhum.
A sede da associação também
mereceu uma reforma. Antes, não
havia nem luz. Agora, um computador ajuda a centralizar as necessidades da comunidade.
"Sabemos que é pouco, mas para quem não tem nada, isso já é
uma grande conquista. E o melhor é ver como os moradores valorizam cada pequena coisinha
que a gente faz e acabam se mobilizando para conquistas cada vez
maiores", diz Zilda Vieira Mariano, 74, conselheira da associação.
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