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São Paulo, domingo, 26 de janeiro de 2003

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NO MORRO

Composta por dez mulheres, a chapa rosa conseguiu a instalação dos primeiros telefones públicos e o respeito da comunidade

No comando, mulheres trazem melhorias ao Salgueiro

SABRINA PETRY
DA SUCURSAL DO RIO

A favela do Salgueiro, uma das mais violentas do Rio, está sendo comandada pela primeira vez por dez mulheres. Elas venceram a eleição da associação de moradores do morro, que fica no bairro da Tijuca, na zona norte da cidade, derrotando duas outras chapas compostas só por homens.
Eleitas em abril de 2002, as dez mulheres dizem que já obtiveram uma importante conquista. Segundo a presidente Anete Maria da Silva, 41, o narcotráfico continua, mas ao menos não interfere mais nas decisões da associação. "Eles passaram a nos respeitar. Nós não nos metemos com eles, e eles não se metem com a gente."
"Quando eles nos atrapalham, usando drogas ou exibindo armas nos locais onde desenvolvemos projetos educacionais para crianças e adolescentes, pedimos para eles saírem. Normalmente, aceitam numa boa", completa Anete.
A idéia de formar um grupo só de mulheres surgiu de pedidos da própria comunidade, por achar que o sexo oposto não estava sendo capaz de levar melhorias à favela. "A mulher é vista como uma pessoa mais séria, mais responsável e, principalmente, mais persistente. Acho que foi isso que levou tanta gente a votar em nós", argumenta Elisabeth Lopes Abreu, 45, vice-presidente da associação.
A formação da chapa procurou abranger mulheres atuantes em áreas diversas e de diferentes idades. São cabeleireiras, secretárias e agentes comunitárias. A mais nova tem 17 anos e ocupa o posto de secretária. A mais velha, com 74, é a conselheira da entidade.
A chapa rosa, como foi batizada, conseguiu vencer as outras duas com grande diferença de votos. Foram 380 votos contra 202 do segundo colocado e 35 do terceiro.
Uma vez eleitas, começou a parte árdua do trabalho, cujas propostas eram bastante ambiciosas.
Água encanada para todos (no morro, o serviço de água funciona em esquema de rodízio, que serve diferentes setores da favela a cada dia), implantação de cursos profissionalizantes e a criação de um banco de empregos. E também a reforma da Fundação Leão 13, que antes dispunha de médicos e dentistas, serviço de creche e de distribuição de remédios e que atualmente oferece somente os serviços de documentação e fornecimento de leite.
As ampliações dos serviços de carteiro comunitário -hoje são apenas dois para servir uma população de 6.200 pessoas- e de coleta de lixo são outros dois objetivos da associação feminina.
"O lixo é um dos grandes problemas da favela. Além disso, temos o problema da falta de luz em alguns pontos do morro. Parece besteira, mas para uma comunidade que já convive com tantos problemas, como a violência, isso é fundamental", diz Anete.
A manutenção do programa Favela-Bairro, da Prefeitura do Rio, parado há um ano, e a conquista do projeto Médicos de Família (profissionais que atendem nas residências) são mais duas metas.
A presidente admite que o tempo é curto para tantas prioridades -o mandato da associação é de dois anos-, mas, na sua opinião, o fato de ser uma associação formada por mulheres ajuda inclusive nesse aspecto.
"É mais fácil lidar com a comunidade. Encontramos mais boa vontade, as pessoas estão mais dispostas a ajudar e a colaborar. Elas dizem que somos mais educadas e atenciosas e se sentem na obrigação de retribuir."
Enquanto não conseguem alcançar todos os seus objetivos, as mulheres do Salgueiro vão dando seu toque à favela. Jardins floridos podem ser vistos em pontos onde antes só havia barro. Cinco telefones públicos já foram instalados nas principais ruas do morro. Até então, não havia nenhum.
A sede da associação também mereceu uma reforma. Antes, não havia nem luz. Agora, um computador ajuda a centralizar as necessidades da comunidade.
"Sabemos que é pouco, mas para quem não tem nada, isso já é uma grande conquista. E o melhor é ver como os moradores valorizam cada pequena coisinha que a gente faz e acabam se mobilizando para conquistas cada vez maiores", diz Zilda Vieira Mariano, 74, conselheira da associação.


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