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ÁLBUM DE ANIVERSÁRIO
Misteriosa São Paulo
DANUZA LEÃO
COLUNISTA DA FOLHA
A partir de hoje, ser quatrocentão é a mesma coisa
que ser emergente: quem não tem
um sobrenome de pelo menos 450
anos é praticamente um novo rico
-isso se for rico.
A festa começou cedo: às 10h da
manhã, a 23 de Maio já estava
cheia de paulistanos andando de
um lado para o outro, prontinhos
para se divertirem, e a partir das
11h já tinha tanta gente, mas tanta, que a rua passou a ter, disciplinadamente, mão e contramão. Se
alguém parava porque o tênis estava desamarrado ou a carteira
tinha caído, a multidão atrás gritava em coro: "Parou por quê?
Por que parou?". Não adianta:
nem em dia de festa São Paulo
tem o direito de parar.
No capítulo "comes", havia
montes de barraquinhas, cada
uma com dois tipos de comida: japonesa e mineira, por exemplo,
ou italiana e pastel, ou natural e
petiscos, ou chinesa e espanhola,
ou portuguesa e cachorro-quente,
ou sanduíche italiano e paulistana moderna; e acarajé, claro. O
critério para essas uniões? E existe
critério para isso?
Do outro lado da rua, conjuntos
musicais tocavam para esquentar
os ânimos, em cima dos trios elétricos estacionados a não mais de
dois metros um do outro. No primeiro era forró, no seguinte alguém cantava "Sampa", o terceiro atacava de bolero, depois vinha o de música baiana, aí o de
rock pesado, o de chorinho, o de
baião -e ninguém pode se queixar de falta de animação. Para
quem gosta de música, um prato
cheio, até porque se ouvia pelo
menos três ao mesmo tempo. O
que mais tinha, além dos casais
de mãos dadas e das crianças em
carrinhos, eram cachorros, de todos os tamanhos, raças, cores e
credos, correndo e latindo.
Aí fiquei pensando em São Paulo: mas que cidade é esta?
São Paulo é feia; feia, freqüentemente cinza, suja, e no mesmo
dia pode fazer sol, chover, e os termômetros irem dos 15C aos 35C,
sem pedir licença. São Paulo nem
parece ser uma cidade tropical:
não tem praia, não tem morros,
não tem baía, não tem paisagem
de cartão postal. As amizades não
começam numa fila de banco, o
trânsito é dos piores do mundo a
qualquer hora do dia e da noite, a
grande invenção de lazer em
shoppings foi inventada em SP
-que jeito?-, e é nessa cidade
que os ricos são mais bregas do
que em qualquer outra do mundo
(e quanto mais ricos pior).
É para falar ainda mais mal de
São Paulo? Não, chega.
Eu só queria que alguém me explicasse esta cidade. Se alguém
vem a São Paulo trabalhar, fica
louco para ir embora, se possível
no mesmo dia. Já os que,
por algum motivo, vieram morar em São Paulo, não querem nunca
mais sair daqui. Não
adianta falar em mar
azul, coqueiro, alegria e
simpatia do povo; a cidade
tem um charme secreto, que
não se percebe logo, mas que depois que se entende, não se pode
viver sem.
Algumas cidades são fáceis como uma gostosinha de tamancão,
minissaia e perninha bem queimada, e com a mesma facilidade
com que seduzem, são esquecidas.
Outras, que nem são bonitas à
primeira vista, quando você percebe, está totalmente envolvido e
dela não vai mais conseguir se livrar -nem quer.
É uma coisa séria, profunda,
misteriosa, eterna, e é assim que
bate o coração das pessoas por
São Paulo.
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