São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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"Dizem que sou besta porque só leio"

da Reportagem Local

Luiz Augusto Pereira da Silva, 12, tinha tudo para dar errado na vida. Seu pai era alcoólatra e batia nele com frequência. Desde que a mãe, Josemilda Peres de Carvalho, expulsou o marido de casa, há quatro anos, eles sobrevivem com a ajuda de uma associação, que dá R$ 50 por mês a Luiz e alimentos e remédios para a mãe, que doente não pode trabalhar.
A casa onde moram, no Jardim Lídia, Santo Amaro (zona sul de SP) corre o risco de cair e técnicos da prefeitura já aconselharam o menino e a mãe a sair do local. Como não têm para onde ir, os dois continuam no local.
Por causa das surras que o pai lhe dava e da tentativa de esconder da mãe o que havia acontecido, Luiz começou a sofrer, aos 10 anos, de úlceras que frequentemente o obrigam a faltar às aulas.
Apesar de todos esses fatores contra, o garoto desenvolveu uma paixão pela leitura e pelos estudos que impressionou os assistentes sociais que o atendem.
"Ele chegou aqui com um comportamento diferente dos demais garotos. Enquanto todos queriam jogar futebol e brincar, o Luiz ficava sozinho na biblioteca lendo e desenhando", diz Denise Robles, presidente da Associação Gotas de Amor, no Brooklin, que atende cerca de 240 crianças carentes.
O vocabulário com menos gírias e com menos erros de Luiz fez com que ele se destacasse na Associação Gotas de Amor, assim como seus desenhos. "Ao contrário dos demais garotos, os desenhos dele eram mais sensíveis, menos agressivos, além de muitos criativos", afirma Denise.
Quase todo o tempo livre do menino é gasto na leitura e nos estudos em casa. "Meus colegas dizem que eu sou besta porque só fico lendo. Mas é o que eu mais gosto de fazer, além de estudar", diz.
O mais dramático na situação de Luiz é que ele corre o risco de perder o pouco que conquistou. Sua mãe tem câncer e ela diz que já foi "desenganada" pelos médicos. Além disso, a associação que o atende já foi intimada pela prefeitura a deixar o casarão onde está instalada, no Brooklin.
"Não sei o que vai ocorrer com o Luiz quando eu morrer. Como sou órfã, não temos parentes para ampará-lo. Minha única esperança é que a associação continue cuidando dele", diz Josemilda.
"Se a associação fechar, vamos ter que encaminhá-lo para um abrigo para crianças. Nosso sonho, no entanto, é encontrar uma família que o adote e dê todas as condições para que ele se desenvolva. Se ele conseguiu chegar até aqui com o que lhe foi oferecido, é porque ele pode ir muito mais longe", afirma Denise.
Apesar das dificuldades, Luiz alimenta o sonho de chegar à faculdade. "Quero ser advogado e ajudar as pessoas." (AG)


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