São Paulo, domingo, 26 de março de 2000


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Garoto faz desafio para vender sorvete

do enviado especial

a São João D'Aliança

"Moço, se o senhor me perguntar uma pergunta de matemática, e se eu responder certo, o senhor compra um dindim?"
É com essa frase na ponta da língua que Pedro dos Santos, 10 anos, aborda os passageiros e turistas que param para abastecer ou se alimentar no posto Ipiranga de São João D'Aliança.
O dindim a que Pedro se refere é o picolé em saquinho que sua mãe faz. Dependendo do dia, Pedro traz R$ 10 ou R$ 1 para casa.
O menino conta, no entanto, que em três ocasiões, já conseguiu trazer para casa notas de R$ 50 de motoristas que pararam no posto para abastecer.
Quando há trabalho para os pais de Pedro, eles ganham em média R$ 15 por dia para colher feijão. Nos melhores meses, a família junta R$ 400 por mês.
Antônia Dão da Silva, 53, e José Serafim dos Santos, 53, tiveram 14 filhos (Pedro é o 13º). Dez deles ainda vivem com os pais.
A família do garoto não chega a passar fome, mas há dias em que não tem café da manhã em casa. "Passar fome a gente não passa. Sempre tem feijão e arroz em casa e, quando dá, a gente compra ovo ou carne", afirma Antônia.
Toda a esperança da família em sair da pobreza está depositada no menino. "Meus outros filhos não gostam de estudar e nasceram para ser pobres. O Pedro pode chegar à faculdade e nos ajudar", diz a mãe.
Ela tem esperança de que alguém dê uma bolsa para Pedro estudar em escolas melhores. No entanto não quer que seu filho seja afastado dos familiares. "Já teve gente oferecendo levar o Pedro para Brasília, mas eu não quero ele longe de mim."
Ninguém da família sabe explicar como Pedro aprendeu a fazer contas. "Quando ele tinha 5 anos, ofereceram R$ 0,10 para que ele trocasse uma nota de R$ 100. Ele nunca tinha ido à escola, mas fez a conta certa de quanto sobraria", afirma a mãe.
A reportagem da Folha perguntou, por exemplo, qual seria a raiz cúbica de 15.625. A resposta, imediata, foi a correta: 25. Calcular a raiz cúbica de 9.261 levou mais tempo, mas a resposta também foi correta: 21. Pedro só errou, por pouco, quando lhe foi perguntado a raiz quadrada de 56.169. "Não é 238? Então é 237, né?", perguntou. Ele estava correto.
"Há dias que o Pedro está inspirado e acerta até as vírgulas", afirma um dos donos do posto onde o menino passa as manhãs, Constante Tobio Portela.
Apesar da facilidade para cálculos, o comportamento do engraxate e sorveteiro é o mesmo de um garoto de sua idade. "A gente tem que obrigar ele a estudar, senão, ele fica jogando futebol o dia inteiro", diz a mãe. (AG)


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