São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002

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INFÂNCIA

Número de interessados diminui com a idade: acima de 10, há para cada pretendente 66 aguardando família

Criança de 5 anos tem pouca chance de ser adotada

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

Para cada bebê disponível para adoção, há 36 casais ou pessoas interessadas em adotá-lo. Para cada criança de 2 a 5 anos, os pretendentes caem para cinco.
Daí para frente, interessados e esperanças desaparecem bruscamente: acima de dez anos, existem 66 crianças e adolescentes para cada pretendente.
Na cidade de São Paulo, estima-se que haja cerca de 5.000 crianças vivendo em abrigos. Cerca de 2.000 poderiam estar legalmente prontas para serem adotadas.
A grande maioria já está na faixa das "adoções tardias", acima de 2 anos de idade. Para essas, a cada ano que passa, as chances de ganhar uma família se distancia de forma inexorável.
Para a maioria delas, escapar da mortalidade infantil não as livrará da condenação a uma "meia vida" em abrigos, sem referência familiar. A medida do tempo da criança, que a cada mês vê reduzidas suas chances de adoção, não é a mesma das instituições e da burocracia, que demoram anos para disponibilizá-las.
É diante desse cenário hostil que o país comemorou ontem, pela primeira vez, o Dia Nacional da Adoção. Já há boas notícias: em oito anos, o número de grupos de apoio à adoção e às famílias passou de 10 para 80.
O tema da adoção vem sendo debatido nos encontros da Associação Brasileira de Magistrados da Infância e da Juventude (Abraminj), como o que aconteceu no mês passado, em São Paulo.
A organização dos grupos e um envolvimento maior do Judiciário e do Ministério Público se devem, em muito, à atuação do Cecif, uma ONG voltada para o incentivo e a capacitação de voluntários e entidades que lidam e apoiam a convivência familiar.
A pesquisa mostrando a relação criança-pretendente foi realizada pelo Cecif com informações de 28 grupos de apoio e Varas da Infância e da Juventude das regiões Sul e Sudeste.
"A proposta não é apenas a adoção, mas a convivência familiar", diz Gabriela Schreiner, diretora-executiva do Cecif.
Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), toda criança tem direito a um convívio saudável na sua família ou, na impossibilidade, em família substitutiva. O abrigamento deve ser evitado, mas é o recurso mais em uso.
Metade das crianças em abrigo estão lá por miséria e poderiam voltar para casa se houvesse uma política pública de apoio às famílias. As outras, abandonadas, poderiam ser colocadas em adoção mais cedo se juízes e promotores tivessem "mais empenho e sensibilidade", diz Rodrigo Junqueira Enout, presidente da Abraminj.
O juiz defende uma especialização da Justiça da Infância e da Juventude, como ocorre na Justiça do Trabalho. "O magistrado da Infância e da Juventude precisa de especial preparo, jurídico e psicológico, e sensibilidade para com o sofrimento humano."
A morosidade, que pode significar o fim das esperanças para a criança, acaba sendo o preço para garantir a proteção da mesma criança, observa José Luis Alicke, coordenador do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça da Infância e da Juventude. "Se não houver extremo cuidado, poderão ocorrer recursos que levarão anos e prejudicarão ainda mais o encaminhamento dessa criança."

Mudança lenta
Apesar da ação dos grupos de apoio, o perfil da criança esperada ainda é a do bebê de cor branca. Pela pesquisa do Cecif, 71% dos pretendentes desejavam crianças de 0 a 2 anos e apenas 1% entre 7 e 10 anos. Depois de participar dos grupos, 65% levaram para casa bebês de 0 a 2 anos; 8% ficaram com crianças de 7 a 10 anos, e 4% com crianças de 11 anos ou mais.


Informações sobre adoção, publicações e grupos de apoio no www.cecif.org.br; e-mail: cecif@uol.com.br


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