São Paulo, sexta-feira, 26 de maio de 2006

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BARBARA GANCIA

Lula não é Chávez

Este canto da página dois do caderno de Cotidiano saiu perdendo. Ficou com cara de bula de remédio

"DIPIRONA sódica: formas farmacêuticas". Começo minha primeira coluna sob os auspícios da nova reforma gráfica desta Folha com as quatro palavras que constam da introdução da bula da Novalgina. O jornal como um todo está mais formoso e ganhou em agilidade com a reforma. Mas, na minha modestíssima opinião, este canto específico da página dois do caderno de Cotidiano saiu perdendo. Ficou com cara de bula de remédio. Daí a singela homenagem. E, como ninguém normal gosta de ler bula de remédio, conto com o leitor fiel (alô, mamãe!) para continuar ao meu lado nesta nova empreitada. Dá-lhe dipirona sódica! É tiro para todo o lado
Por falar em pessoas normais, onde é que ficamos nós, meu querido leitor, que não apoiamos a direita nem temos afinidade com a esquerda? Refiro-me à imputação de culpas pelo caos que acometeu São Paulo com a onda de ataques do PCC. Nós, que não reagimos de forma histérica aos atentados nem pretendemos colocar debaixo do tapete os nomes dos 31 mortos inocentes na retaliação policial, onde nos encaixamos? Quatro dias depois de iniciados os ataques, começaram a circular na internet e-mails acusando o governo Lula de estar por trás das ações do PCC. A lógica usada nessa correspondência é rudimentar e falaciosa. Um dos e-mails, que acusava o PT de "instrumentalizar o terrorismo do crime organizado para fins político-eleitorais", era assinado por um rapaz que dizia ser vice-presidente financeiro de um banco. Liguei ao banco para confirmar se ele havia mesmo lançado teorias conspiratórias na internet e descobri que o dito-cujo fora demitido por usar em sua mensagem o nome da instituição bancária. Além dos e-mails relacionando, entre outros, as ações do PCC com o MST, começaram a pipocar na minha caixa-postal eletrônica mensagens de paulistanos indignados convocando a população a protestar em praça pública contra a insegurança. Imagino que, depois de escrever os e-mails, os autores tenham ido passar o fim de semana no Guarujá, pois, que eu saiba, a única manifestação ocorrida de lá para cá foi a que juntou 800 gatos pingados na av. Paulista para reclamar da corrupção. Na Venezuela, Hugo Chávez domina com maestria a arte de incitar ricos contra pobres e esquerdistas contra capitalistas. O negócio dele é servir-se do nacionalismo para se fortalecer internamente e do antiimperialismo para provocar os EUA. Nesse jogo, vale até o uso de retórica anti-semita e a aliança com o medieval presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad. Mas, vem cá: não somos a Venezuela, e Lula não é Chavez. Ou será que, no episódio da nacionalização do gás da Bolívia, Lula não foi tratado pelo colega Evo Morales como se fosse o ianque predador? Em meio à instabilidade gerada pela falta de segurança, só o que nos falta para completar o quadro de ruína é a população de São Paulo ficar dividida na guerra contra a bandidagem.

@ - barbara uol.com.br
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