São Paulo, segunda-feira, 26 de junho de 2006

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Antibióticos sem registro estão à venda

Medicamentos similares a remédios de marca não comprovaram a mesma eficácia destes; para especialistas, há risco

Anvisa não obriga laboratórios a retirar do mercado produtos que não têm mais a validação dada pelo governo federal

FABIANE LEITE
DA REPORTAGEM LOCAL

Estão à venda nas farmácias de todo o país antibióticos que perderam os seus registros, garantia de que estão de acordo com as normas da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Os produtos, todos similares de remédios de marca, não foram submetidos a um teste obrigatório de qualidade, que verificaria se eles têm a mesma eficácia dos medicamentos que imitam.
Para especialistas, nessa situação o uso desses antibióticos não é confiável, ou seja, poderá acabar prejudicando o tratamento dos pacientes.
A própria Anvisa, no entanto, não exige que remédios que perdem o registro sejam retirados do mercado até que vença a data da validade dos produtos. A agência não informou o total de remédios nessas condições.
Laboratórios afirmam que decidiram não realizar o teste porque não tinham mais interesse de manter os remédios nas farmácias.
A reportagem encontrou 16 remédios que não passaram por esses testes de qualidade nas listagens de medicamentos à venda das principais revistas do setor farmacêutico.
Em consultas aleatórias a mais de uma dezena de farmácias na cidade de São Paulo, nove antibióticos que já perderam o registro foram encontrados.
Os produtos são todos medicamentos similares, ou seja, têm o mesmo princípio ativo e indicação terapêutica dos chamados remédios de marca. Mas a maioria deles não apresentou provas de que têm a mesma eficácia dessas drogas por meio do teste de bioequivalência, o que deveria ser feito a partir de 1º de dezembro de 2004, quando pedissem a primeira renovação do registro.
Outros entregaram documentos, mas ainda não foram validados pela Anvisa.
Para serem colocados à venda, foram apresentados testes dos medicamentos indicando que eles, por exemplo, não prejudicam a saúde, mas não foi necessário comprovar que possuem a mesma eficácia das drogas que tentam imitar.

Fiscalização
Para a Anvisa, não há irregularidade no fato de não terem feito o teste, perdido o registro e continuado no mercado. "Temos aqui um trabalho de auditagem, fiscalização e inspeção. Se por acaso verificarmos desvio de qualidade, poderá ser decretada interdição", diz Cristina Marinho, técnica da gerência de medicamentos similares da Anvisa.
O coordenador-executivo da Sobravime (Sociedade Brasileira de Vigilância de Medicamentos), José Ruben de Alcântara Bonfim discorda. Para ele, se as empresas "não tiveram interesse em obedecer a disposição legal [o teste de bioequivalência], é porque o produto dela está sob suspeita". "Eu não recomendaria que médicos prescrevessem, farmacêuticos dispensassem e usuários consumissem", continuou.
Bonfim defende que a Anvisa retire os remédios do mercado por meio de uma medida administrativa, como uma portaria. "A situação mostra a fraqueza técnico-política da Anvisa", diz.
Raquel Rizzi Grecchi, presidente do Conselho Regional de Farmácia do Estado de São Paulo, afirma que o correto seria a Anvisa fazer, por meio de amostragem, novos testes de qualidade nos produtos que perderam o registro mas continuam à venda.
Cabe às vigilâncias de cada Estado notificar a agência nacional sobre problemas com medicamentos.
Para Paulo Olzon Monteiro da Silva, chefe da disciplina de Clínica Médica da Unifesp, não há problema na manutenção dos remédios. "Presume-se que o que está na prateleira é de qualidade", afirmou.

Registro sem análise
Quatro dos 16 remédios sem registro encontrados pela reportagem receberam o benefício da renovação automática. Isto é, não tiveram analisada a documentação de renovação, incluindo o teste que comprovaria ou não que são iguais a remédios de marca.
A renovação automática acontece quando a Anvisa não cumpre o prazo da análise do registro. De acordo com a lei 6.360/76, todas as vezes em que o prazo de exame da agência estoura o do vencimento do produto, o registro continua a valer, mesmo que a empresa não tenha apresentado a documentação devida.
"A qualquer momento a Anvisa poderá avaliar e cancelar o registro", justificou Marinho.


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