São Paulo, sexta-feira, 26 de junho de 2009

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BARBARA GANCIA

E agora, José?


Por ter ocupado o cargo de presidente da República, Sarney não pode agir como um Jader Barbalho qualquer

NÃO SEI POR QUE essa mania de descarregar um caminhão de pedregulho sobre o nosso querido presidente a cada vez que ele abre a boca.
Eu mesma já reclamei aqui da matraquice de Lula, já disse que ele deveria se policiar a dar declarações antes e não depois de o garçom passar com a bandeja de coquetéis. Mas quer saber? No caso do comentário sobre o senador Zé Sarney não ser um "cidadão comum", creio que Lula foi até comedido.
Se tivesse usado do tipo de precisão em que deve ter esbarrado em sua recente viagem à Suíça, o presidente teria sido mais explícito. Teria revelado que ninguém que gravita em torno do senador Sarney tem nadinha de comum.
A começar pelos filhos. Veja: minha irmã trabalha com moda, meu irmão é economista e eu sou jornalista sem diploma. Na sua casa, meu nobre leitor, não descarto que existam dois médicos e um publicitário ou um padre e dois policiais. Mas será que em alguma outra família do planeta todo mundo é político como na dos Sarney? Até na família Kennedy há uma jornalista e uma cineasta. No clã dos Sarney, não. O pessoal só tem uma única vocação.
Peculiar, não? É o caso de a gente imaginar que até o papagaio dos Sarney saiba pedir voto, subir em palanque e negociar aliança.
Incomuns também são os funcionários da família Sarney. Sinta só:
tenho grande estima pela minha empregada. Trabalho em casa e passo mais tempo com ela do que com qualquer outra pessoa. Mas digamos que eu fosse dona dos Lençóis Maranhenses. Será que eu veria motivo para pagar a ela o salário de um engenheiro (quanto ganha um engenheiro no Maranhão?) que é o que sinhazinha Roseana oferece ao seu "Passepartout"?
Refiro-me, é claro, a Amaury Machado, 51, conhecido como Secreta (diminutivo carinhoso de secretário), o funcionário que dá expediente como faz-tudo na casa da filha do senador, mas é pago pelo Senado.
Secreta recebe em torno de R$ 12 mil ao mês. Proporcionalmente, ele ganha mais do que Paul Burrell, este sim, mordomo treinado, que trabalhava para a princesa Diana.
Temos ainda a igualmente incomum Valéria Freire dos Santos, viúva de um ex-motorista de Sarney, que mora há quatro anos em apartamento de um prédio de uso exclusivo dos senadores.
Nomeada por ato secreto, dona Valéria ganha R$ 2.313,30 para servir café. Por esse preço, imagino que ela tire um cafezinho daqui, ó. Pensando bem, tanto faz, não é mesmo?
Afinal, o dinheiro não sai do bolso do senador, mas do nosso.
Lula está certíssimo. Zé Sarney não é comum nem mesmo entre os incomuns que zanzam pelos corredores do Senado. O fato de ter ocupado o cargo mais alto da República tirou-lhe a prerrogativa de poder agir como um Jader Barbalho qualquer. A ira da população é maior contra um ex-presidente que é descoberto fazendo o que não deve.
Entre tantas coisas incomuns, talvez a mais anormal seja um homem da idade do senador -e com a história dele- insistir em ficar de ato secreto em ato secreto a pegar o chapéu e ir embora para casa.

barbara@uol.com.br

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