São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008

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Para evitar bafômetro, degustador profissional põe mulher para dirigir

Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem
Alexandre Bazzo, mestre-cervejeiro de Sorocaba (SP), que precisa que a mulher dirija o carro na volta para a casa após o trabalho

DA REPORTAGEM LOCAL

A lei seca fez bebedores profissionais repensarem a rotina do "métier" -tanto enólogos e mestres-cervejeiros quanto degustadores e até padres, para quem o ganha-pão depende de doses alcoólicas diárias, estão com medo da proibição.
"Com a lei, qualquer curso de degustação ficou inviável", diz Adriana dos Santos, 36, dona da Orbacco Espaço Gastronômico, de São Paulo. "Degustar virou caso de cadeia." Mas ela achou um jeito de não perder clientes motoristas. Vai oferecer um curso de vinhos à prova de lei seca: se um grupo de quatro pessoas trouxer um acompanhante que não beba (batizado de "anjo da guarda"), esse não paga. "Alguém tem de se sacrificar."
Em uma degustação como essa são ingeridas oito doses, ou uma taça e meia de vinho, quando uma taça já significa de 2 dg/l a 5,99 dg/l de álcool no sangue -ou multa de R$ 955, sete pontos na carteira e perda do direito de dirigir por um ano, se pego pela polícia.
Por isso "os degustadores estão assustados", diz o consultor de vinhos Aguinaldo Albert, que, acostumado com casa cheia em seus cursos, na quarta ficou surpreso com o baixo quórum em uma degustação. "E agora tem sempre quem não bebe para dirigir."
Se os amadores têm receio, os profissionais têm medo. No dia 1º, a Associação Brasileira de Enologia fez um teste com bafômetros para avaliar o impacto alcoólico de uma degustação técnica. Concluiu que a sessão com dez doses de vinho sem engolir passa no teste.
"Mas em geral se provam uns 20 vinhos, tomando um pouco de cada", diz o presidente da ABE, Carlos Abarzua. Por isso novos testes serão feitos e logo os enólogos devem ter uma recomendação precisa.
Já o mestre-cervejeiro da produtora Bamberg, de Sorocaba, Alexandre Bazzo, precisa da mulher para voltar pra casa. Três vezes por semana (quando começa um barril), ele bebe até um copo de cerveja -"pouco, mas não dá para arriscar". Como no caminho de casa tem blitze, a saída foi pôr a mulher, que trabalha com ele (e não bebe) ao volante. "Agora degusto no meio do expediente. Se preciso beber no fim, ela dirige."

O lado "canônico" da lei
"Tomai todos e bebei. Este é o cálice do meu sangue", diz o padre, com a taça de vinho erguida para a milenar "transusbstanciação", passo da liturgia católica em que o vinho vira o sangue de Cristo. "Vinho e não suco de uva", esclarece o padre Geraldo Martins, assessor da CNBB. "Para isso é preciso autorização do bispo."
A congregação não alertou os religiosos oficialmente; diz que se bebe pouco nas missas. Mas padres do interior, que viajam de carro entre as igrejas, estão encucados com o vinho de cada dia -não sabem se o que bebem é suficiente para infringir a lei. "Penso muito na lei seca, como fica o padre depois da missa", diz o padre Joseph Thomas, de Praia Grande (SP). Ele viaja 150 km por dia em seu Citroën Xsara Picasso para dar conta das 14 igrejas que atende, em até cinco missas por dia. Bebe em todas.
"Não posso viver sem carro", diz, garantindo que bebe pouco. "Agora um padre que usa meio cálice e celebra missas de barriga vazia, se fizer [o teste], algo pode aparecer."
Por isso o arcebispo de Ribeirão Preto, dom Joviano de Lima, incentiva padres a pegarem carona. "Ele deveria pedir a alguém da comunidade para dirigir. A Igreja defende a vida, é preciso seguir a lei que fez cair o número de acidentes."
Padre Thomas não pega carona, mas mandou comprar cálices pequenos e ordenou aos coroinhas que maneirassem na quantidade do vinho. Ainda assim, continua curioso. "Tenho vontade de fazer um teste para me assegurar", diz. "Ao acabar a missa, quero fazer e tirar a dúvida de vez."
(WILLIAN VIEIRA)



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