São Paulo, sábado, 26 de julho de 2008

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WALTER CENEVIVA

Abismo entre delitos e penas


As circunstâncias do delito passam por uma peneira tão larga que é comum seu autor não cumprir punição alguma


É COSTUME DIZER que, ao cumprir a pena, o criminoso condenado pelo delito cometido paga seu débito com a sociedade. Cada um de nós, os cidadãos comuns, da média da cidadania, temos noção razoável de que, conforme a "quantidade" da pena, o débito do delinqüente foi ou não foi pago.
Esquecidas por ora as penas alternativas, supondo-se que policiais matem uma criança, que banqueiros prejudiquem clientes, que administradores públicos se corrompam, que pena justa pagará seu débito, se condenados?
A pergunta acima é fácil de ser quantificada? Se você responder que sim, saiba que a resposta certa é não. A lei brasileira parece ter punições conforme a gravidade do delito, para quem leia a definição básica do crime e o apenamento previsto. As circunstâncias do delito passam por uma peneira tão larga que é comum seu autor não cumprir punição alguma ou tê-la tão abrandada que não será pena, mas, no máximo, alguma restrição da liberdade.
Como poderemos escapar da contradição entre os dois parágrafos anteriores? A resposta é clara, mas difícil de enunciar nas linhas de computador que me restam.
Talvez um exemplo facilite. Por mais que a mídia impressa, eletrônica ou "internética" noticie condenações de muitas dezenas de anos para os crimes mais escandalosos ou hediondos, ninguém cumprirá mais de 30 anos, mesmo para um delito com todas as circunstâncias agravantes imagináveis ou para vários crimes sucessivos na mesma seqüência de atos. NINGUÉM! Condenações a muitas dezenas ou centenas de anos compõem o que se pode considerar sinistra ilusão, que a mídia nem sempre desfaz.
Isso é possível porque as punições e os elementos relativos (condutas que aumentam ou diminuem a pena, condutas criminosas individuais ou coletivas, idade do criminoso, circunstâncias especiais do ato) são normas legais pelas quais se compõe a condenação. Há, ao lado delas, a lei processual penal, ou seja, o conjunto de regras para atos e procedimentos a serem respeitados para chegar à sentença condenatória (seja qual for) ou à absolvição.
Na lei penal, o principal ator da avaliação da conduta ou é o juiz ou é o júri (este para crimes dolosos contra a vida, consumados ou tentados). Na lei processual penal, os principais atores são o advogado e promotor, dirá você, certo de que matou a questão. Muitas vezes o principal ator é a polícia.
Quando o "prato" do processo for posto na mesa do juiz e do promotor pode acontecer de que chegue mostrando o cuidado da defesa na cozinha da polícia e da advocacia. Pode até dar-se -é raro, mas tem-se dito que acontece- que o "prato" chegue pronto para facilitar a vida do acusado, se este for bem defendido. Lembro ao leitor que o processo criminal começa, em regra, após a denúncia, peça escrita pela Promotoria indicando a conduta do acusado e a enquadrando/ajustando aos termos da definição penal, com base em dados levantados pela polícia ou eventualmente acrescidos em pedidos do promotor, submetidos ao juiz.
Tenho de admitir que outras perguntas pairam no ar. Afinal, dirá o leitor, o que tudo isso teria a ver com a diferença entre lei penal e processo penal, já referida?
Infelizmente, a resposta só poderá ser lida na próxima coluna.


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