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foco
Paulistano diz que se cuida e confia nos cuidados alheios contra a gripe suína
TAI NALON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
O espirro alheio denuncia a
desconfiança da estudante
Rebeca Alves, 19, e de outras
dezenas de usuários do metrô
de SP -a de que seus trens
funcionam como uma central
de infecção ambulante.
"É que aqui dentro [do
trem] todos nós somos doentes em potencial", diz.
Álcool em gel nas mãos a cada baldeação, Rebeca evita se
pendurar nas barras de metal
e a se apoiar no corrimão das
escadas com medo de pegar
gripe suína. "E um dia desses
ainda tentei prender a respiração entre cada parada".
O cuidado cessa quando se
trata de diversão, no entanto.
Ela segue de metrô para o cinema -lugar que pode ter outros possíveis doentes mas
que, diz ela, só estão ali porque confiam que doentes não
saem de casa para se divertir.
Rebeca faz parte de um grupo de 70 pessoas consultadas
pela Folha que dizem não ter
alterado substancialmente
seu cotidiano por conta da
gripe suína. E, segundo especialistas, sequer há essa necessidade.
De acordo com o epidemiologista Roberto Medronho, da
UFRJ, a gripe suína não altera
demasiadamente nem mesmo a vida do doente, "que
passará por ela como quem
passa por uma gripe mais forte qualquer", diz.
O que de fato muda é a necessidade de se confiar não
apenas nos cuidados individuais, mas também naqueles
que os outros tomam.
"Lavo as mãos muito mais
do que lavava antes. Talvez
muito mais do que deveria
também", conta a estudante
Aline Maria de Mesquita, que
reclama das mãos ásperas.
"Eu acredito no bom senso
das pessoas que dividem o
ambiente comigo. Espero que
elas não vão querer sair de casa. Confio que não vão me expor ao perigo", diz Ilana Nogueira, 35, professora primária. "Talvez todos nós estejamos exagerando", diz.
O medo dos outros é assunto no café da tarde das aposentadas Olga de Mello Homem e Irma Schlottman.
"Entendemos a preocupação
geral, mas estamos longe de
deixar de fazer o que gostamos. No máximo ganhamos
mais assunto -agora discutimos quão neuróticas parecem
as pessoas", diz Olga.
Para o designer Pedro Milhomem, 24, exagero é pouco.
Na fila do ambulatório referenciado do Hospital das Clínicas, quer provar para o irmão -que migrou para o sofá
da sala- que sua crise de rinite não é indício de gripe suína.
"Vim [ao hospital] buscar
um atestado que prove que
não estou doente e que posso
dormir no mesmo quarto que
meu irmão", diz. Mesmo assim, prefere usar máscara no
hospital.
"Não quero entrar sem e
sair daqui com gripe", afirma.
Especialistas consideram
exagero a livre distribuição de
máscaras. Alguns hospitais-referência afirmam que distribui-las só faz sentido como
tentativa de tranquilizar
quem aguarda atendimento.
A indicação da Secretaria
Municipal da Saúde é que use
máscara e seja isolado apenas
quem apresenta sintomas
graves de gripe. O Ministério
da Saúde também não expõe
essa necessidade.
Mesmo assim, máscaras
são item em falta em farmácias e lojas de material cirúrgico da zona sul de São Paulo.
"Já veio cliente comprar para
fazer estoque em casa, disso e
de álcool em gel", diz Denise
Moura, vendedora de farmácia em um shopping.
A poucos quarteirões dali,
na estação do metrô, o ambulante João José Milagres vende frasquinhos de álcool em
gel a R$ 12. O produto que
vende serve de ajuda para
manter-se intato. "Pego no dinheiro, limpo as mãos", diz. O
dinheiro, segundo ele, vai pagar a viagem de volta para casa, no Amapá. "Longe do frio,
longe da gripe".
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