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MOACYR SCLIAR
Furto nas alturas
Senhores passageiros, não se assustem se, durante o voo, virem esta que vos fala mexendo em vossos bolsos
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Aeromoça acusada de furtar passageiros é presa em Paris. A polícia francesa prendeu uma aeromoça suspeita de furtar dinheiro, cartões de
crédito, joias e talões de cheque dos
passageiros durante os voos, enquanto eles dormiam. Um investigador estranhou o desnível entre o
pomposo estilo de vida da aeromoça e a pequena renda declarada por
ela. A aeromoça, que geralmente
atendia à classe executiva, começou a furtar para resolver problemas financeiros. MUNDO, 21.JUL.10
"Senhores passageiros, sejam muito
bem-vindos ao nosso voo. Como informou o nosso comandante, estamos prontos para decolar.
Peço, pois, que afivelem seus cinturões, retornem o encosto da poltrona para a posição vertical e mantenham travada a mesinha à sua
frente. A partir desse momento, todos os equipamentos eletrônicos deverão ser desligados.
O nosso tempo de voo será de dez
horas e quinze minutos. Após a decolagem serviremos o jantar, que será acompanhado de finos vinhos.
Vinho, como os senhores sabem, é
ótimo para relaxar, o que, sinceramente, espero que todos os passageiros façam.
Depois do jantar diminuiremos a
luz nesta classe executiva, para que
vocês possam descansar e dormir.
"Dormir, talvez sonhar", como diria
Shakespeare. Desejamos bons sonhos a todos.
Não se assustem se, enquanto estiverem dormindo, encontrarem esta que vos fala junto à vossa poltrona, mexendo em vossos bolsos. Estarei recolhendo dinheiro vivo, seja
em dólares, em euros, em francos
suíços, em ienes, qualquer moeda
forte serve.
E recolherei joias, desde que não
sejam falsas. Mas certamente pessoas elegantes como as que viajam
não cogitariam usar bijuterias. Recolherei também cartões de crédito
e talões de cheque, esperando que
para os mesmos haja fundos.
Eu poderia dizer que o propósito
dessa coleta (que para os senhores
será, digamos, involuntária) é dar
contribuições para fundos de caridade, ou para ajudar vítimas de desastres ambientais. Mas não vou
mentir, senhores passageiros, porque acho a honestidade absolutamente fundamental neste tipo de relacionamento.
O dinheiro, as joias, os cartões de
crédito, os talões de cheque, tudo isso destina-se a uma única pessoa:
eu. Entendam: sou de origem humilde, sempre vivi de salário, invejando
as pessoas que, como vocês, viajam
de classe executiva. Mas agora pretendo melhorar.
Quero ter uma boa casa, quero
frequentar restaurantes da moda. E,
ah, sim, quero ter um avião. Um
avião particular. Não tão grande
quanto este, mas um jatinho, pelo
menos, que me leve para lugares como Caribe ou Nova York.
Não preciso de uma grande tripulação: o comandante, o copiloto, e,
obviamente, uma aeromoça ou aeromoço. Pagarei muito bem, mas
quero fazer uma advertência: como
os senhores verão neste voo, eu não
durmo a bordo. Portanto, qualquer
tentativa de coleta como a que eu
mencionei será inútil.
Espero que os candidatos ao cargo sejam -como as aeromoças e aeromoços em geral- absolutamente
honestos. Porque o crime não compensa. Muito menos quando se está
a 10 mil metros de altura."
MOACYR SCLIAR escreve nesta coluna, às segundas-feiras, um texto de ficção baseado em notícias
publicadas no jornal.
moacyr.scliar@uol.com.br
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