São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 2002

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COMPORTAMENTO

Pesquisa da Universidade Federal Fluminense detalha discriminação racial decorrente da aparência

Brasileiro tem preconceito "à primeira vista"

LUIZ CAVERSAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Se ainda havia alguma dúvida, uma pesquisa piloto realizada no Rio de Janeiro deixa claro: o brasileiro é, sim, preconceituoso, e esse preconceito não se manifesta apenas em relação à raça ou à cor.
Pela aparência, julga-se a capacitação profissional de um homem e até mesmo o seu caráter. Ou seja: olha-se rapidamente um rosto e se avalia se aquele cidadão é trabalhador ou preguiçoso, honesto ou criminoso.
Essa é a conclusão de um estudo piloto coordenado por professores da Universidade Federal Fluminense e patrocinado pela Fundação Ford.
Trata-se de uma experiência bem-sucedida e que está, neste momento, sendo estendida para todo o Brasil, envolvendo dezenas de pesquisadores e 2.000 entrevistados. Quando ficar pronta, no final do ano, apresentará um grande panorama qualitativo do preconceito e da discriminação, de acordo com as especificidades de cada região do país.

Personagens reais
A particularidade da atual pesquisa, realizada com 200 entrevistados da cidade do Rio, reside no fato de ela ter levado em conta personagens reais. São homens que emprestaram sua imagem em fotos para que os pesquisadores fluminenses as mostrasse aos entrevistados e, então, coletassem as impressões que os retratos deixaram nos observadores.
Os entrevistados, por sua vez, viam a fotografia (as mesmas que aparecem no quadro explicativo desta reportagem) e emitiam um juízo de valor sobre a pessoa ali retratada.
Segundo um dos coordenadores do trabalho, o professor de ciências políticas Alberto Carlos Almeida, o objetivo foi dimensionar, a partir das designações clássicas do IBGE para a cor da população (preta, banca, parda), a relação que os indivíduos fazem entre aparência física e qualificação.
As pessoas eram instadas a dar respostas cuja simples formulação indicaria a existência de discriminação.
"Detectamos dois tipos de preconceito", afirma o pesquisador Almeida. "Um deles é, digamos, mais "fraco", e reside no fato de se classificar erradamente uma pessoa como parda ou preta, ou a parda e a preta como pobres. Isso pode ser classificado como uma espécie de preconceito estatístico, em que se repete aquilo que se vê com frequência; a maioria dos pardos são pobres, então esse pardo é pobre. O outro tipo de preconceito, mais "forte", é alguém achar que pode dizer que uma pessoa é ou não é inteligente apenas pela aparência."
Para os pesquisadores, essa é uma atitude que revela preconceito tanto quanto o revela o fato de alguém dizer, também a partir da aparência, que um cidadão é criminoso ou honesto.
"A única resposta possível nesses casos é dizer que não dá para responder", afirma Almeida. Qualquer outra resposta, a partir unicamente da aparência, pode ser considerada preconceituosa.
E é justamente isso que a pesquisa mostra: seria impossível fazer essa relação, mas 37% dos entrevistados afirmam que o branco é inteligente, enquanto apenas 7% dizem que o preto o é.

Advogado x taxista
Outro dado de caráter que não é possível identificar apenas pelo aspecto visual das pessoas, mas que encontrou receptividade por parte dos entrevistados, refere-se à profissão das pessoas retratadas.
Apresentando ocupações profissionais em escala de prestígio supostamente descendente (advogado, professor e motorista de táxi), chegou-se ao seguinte: a maioria dos entrevistados relaciona o homem branco à ocupação considerada mais nobre; o pardo e o preto são vinculados à profissão que agrega menor status.
A pesquisa traz ainda um outro aspecto, que também revela o preconceito arraigado ao imaginário da população: o pesquisador perguntou qual dos homens das fotos parece ser um nordestino. De todos os entrevistados, 88% classificaram o homem da foto número dois de nordestino.
Embora ele se encontre no grupo de brancos estabelecido pelos próprios entrevistados, esse indivíduo recebeu, a seguir, votação expressiva como sendo pobre e motorista de táxi.
"Os preconceitos são variados", afirma Almeida, "mas é brutal quando diz respeito a pardos, pretos e ao branco nordestino."


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