São Paulo, segunda-feira, 26 de agosto de 2002

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PLANO DIRETOR

Emenda autoriza venda antecipada de direito de construir sem que obra tenha sido aprovada pela prefeitura

Nova mudança pode permitir especulação

MELISSA DINIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma emenda incorporada ao texto do Plano Diretor, aprovado na sexta-feira pela Câmara Municipal de São Paulo, permite a empreendedores comprar o direito de construir na cidade sem necessidade de ter o projeto aprovado pela prefeitura. Para especialistas ouvidos pela Folha, o mecanismo favorece a especulação no mercado imobiliário.
Pelo texto do artigo 195, inserido no projeto por sugestão da vereadora Myryam Athiê (PMDB), a prefeitura poderá conceder aos donos de terrenos uma certidão de outorga onerosa de potencial construtivo adicional, vinculada a um ou mais lotes.
A outorga é uma taxa que será cobrada de quem quiser construir acima do coeficiente básico -índice que determina o tamanho dos imóveis que poderão ser erguidos gratuitamente nos terrenos. Os limites das construções serão regulados por coeficientes máximos. Com a emenda, é possível pagar adiantado -com taxas mais baixas- para garantir o direito de construir no futuro, quando os terrenos poderão estar mais valorizados.
O plano também permite que esse direito seja vendido a terceiros ou transferido para outros terrenos, exceto para áreas de operações urbanas. Para especialistas, o mecanismo deve promover uma corrida das construtoras em busca de metros quadrados que no futuro podem ter um maior valor de mercado.
"É um fator de especulação e mantém o poder público à mercê do empreendedor", afirma o urbanista e professor de planejamento urbano da Universidade de São Paulo, Luiz Carlos Costa.
Segundo Costa, a venda de potencial construtivo adicional para obras que só serão realizadas no futuro torna imprevisível o cálculo da demanda por serviços públicos e deve gerar congestionamentos na cidade.
"Isso significa uma mera concessão aos interesses econômicos. É uma pressão do setor imobiliário que deve piorar a situação dos bairros", afirma o professor.
Para o urbanista, apenas a fixação dos coeficientes não é suficiente para regular a capacidade das regiões de receber novos empreendimentos. "Se todos construírem o máximo, é evidente que isso vai sobrecarregar a capacidade desse lugar. É preciso calcular essa capacidade", disse.
De acordo com a arquiteta e diretora do movimento Defenda São Paulo, Regina Monteiro, o mecanismo permite à prefeitura arrecadar recursos de maneira mais fácil e rápida.
"Quem tem dinheiro vai poder fazer estoque de potencial construtivo. É preciso tomar cuidado, pois o mercado passará a mandar na cidade e ninguém vai conseguir controlar isso", disse.
Para Regina, a mudança mostra que a base do projeto de desenvolver um planejamento urbano para a cidade foi destruída pelas concessões ao mercado.
"Não tenho dúvida de que esse é mais um motivo para solidificar a ação que pretendemos mover contra o plano no Ministério Público", afirmou.
O relator do projeto, Nabil Bonduki (PT), disse que não houve nenhuma recomendação do mercado para que a mudança fosse feita. "Esse mecanismo não deve começar a funcionar antes que sejam estabelecidos os estoques de metros quadrados disponíveis em cada região", disse. Segundo Bonduki, os estoques serão fixados pela lei de zoneamento, que será votada até abril do ano que vem.
"A certidão permite um ganho, se houver valorização dos terrenos. Além disso, a prefeitura poderá conseguir antecipadamente recursos que serão investidos em obras para a melhoria da cidade", disse o vereador petista.


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