São Paulo, quinta-feira, 26 de agosto de 2004

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PASQUALE CIPRO NETO

"Caso ele não seja..."

No último vestibular da Fuvest (segunda fase), a banca formulou uma questão baseada nestas frases, extraídas do termo de garantia de um produto para emagrecimento: "I) Esta garantia ficará automaticamente cancelada se o produto não for corretamente utilizado"; II) Não se aceitará a devolução do produto caso ele contenha menos de 60% de seu conteúdo".
O enunciado da questão era o seguinte: "Reescreva os trechos sublinhados nas frases I e II, substituindo as conjunções que os iniciam por outras equivalentes e fazendo as alterações necessárias". O trecho sublinhado na frase I era "se o produto não for corretamente utilizado"; o da frase II era "caso ele contenha menos de 60% de seu conteúdo".
Como se vê, quem não sabe o que é "conjunção" pode não resolver a questão. Em outras palavras, a banca exige dos candidatos o domínio de nomenclatura técnica, específica. Vamos lá, pois: na definição do "Aurélio", "conjunção" é "palavra invariável que liga duas orações ou dois termos semelhantes da mesma oração".
No trecho da frase I, a conjunção é "se", que liga as duas orações do segmento e estabelece entre elas o nexo de condição (a correta utilização do produto é condição para a garantia não ser automaticamente cancelada). No trecho II, a conjunção é "caso", que também estabelece nexo de condição (para que se aceite a devolução do produto, é necessário que ele contenha pelo menos 60% do que continha quando "novo").
A resposta pode apoiar-se na simples troca de "se" por "caso" e vice-versa, mas, por trás do aparentemente ingênuo pedido da banca, escondem-se algumas possíveis (e perigosas) armadilhas.
No trecho I, a troca de "se" por "caso" sugere a troca do futuro do subjuntivo (em que está flexionada a forma "for", do verbo "ser") pelo presente do subjuntivo: "...caso o produto não seja corretamente utilizado".
Por que eu disse "sugere"? Porque, com a conjunção "caso", predomina o uso do presente do subjuntivo; há, no entanto, pelo menos uma voz discordante, a do professor Domingos Paschoal Cegalla, que, em seu "Dicionário de Dificuldades da Língua Portuguesa", dá estes exemplos: "Caso persistirem as chuvas, os rios transbordarão"; "Ele será processado, caso não se retratar".
No "Aurélio" e no "Houaiss", os exemplos são estes, respectivamente: "Caso você fique, é bom avisar"; "Caso ele vá, nós avisaremos". Celso Cunha e Lindley Cintra dão este exemplo, de Ciro dos Anjos: "A entrevista ficou marcada para as quatro da tarde, caso você não prefira ir à noite". O "Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", da Academia das Ciências de Lisboa, dá este exemplo: "Caso ele venha, é preciso preparar-lhe o quarto".
Pelo jeito, apesar do abono de Cegalla, quem trocou "se" por "caso" e manteve "for" ("...caso o produto não for corretamente...") deve ter feito mau negócio.
E o trecho II? Agora, a troca de "caso" por "se" impõe o percurso contrário, ou seja, a troca do presente do subjuntivo (em que está flexionada a forma "contenha") pelo futuro do subjuntivo. Pois é justamente aí que a roda pode pegar. A resposta não é "... se ele conter menos de 60% de seu conteúdo". O verbo "conter" segue a conjugação de "ter", do qual deriva. A forma padrão é "...se ele contiver menos de...". É isso.


Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras

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