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PASQUALE CIPRO NETO
"Caso ele não seja..."
No último vestibular da
Fuvest (segunda fase), a
banca formulou uma questão baseada nestas frases, extraídas do
termo de garantia de um produto
para emagrecimento: "I) Esta garantia ficará automaticamente
cancelada se o produto não for
corretamente utilizado"; II) Não
se aceitará a devolução do produto caso ele contenha menos de
60% de seu conteúdo".
O enunciado da questão era o
seguinte: "Reescreva os trechos
sublinhados nas frases I e II, substituindo as conjunções que os iniciam por outras equivalentes e fazendo as alterações necessárias".
O trecho sublinhado na frase I era
"se o produto não for corretamente utilizado"; o da frase II era "caso ele contenha menos de 60% de
seu conteúdo".
Como se vê, quem não sabe o
que é "conjunção" pode não resolver a questão. Em outras palavras, a banca exige dos candidatos o domínio de nomenclatura
técnica, específica. Vamos lá, pois:
na definição do "Aurélio", "conjunção" é "palavra invariável que
liga duas orações ou dois termos
semelhantes da mesma oração".
No trecho da frase I, a conjunção é "se", que liga as duas orações do segmento e estabelece entre elas o nexo de condição (a correta utilização do produto é condição para a garantia não ser automaticamente cancelada). No
trecho II, a conjunção é "caso",
que também estabelece nexo de
condição (para que se aceite a devolução do produto, é necessário
que ele contenha pelo menos 60%
do que continha quando "novo").
A resposta pode apoiar-se na
simples troca de "se" por "caso" e
vice-versa, mas, por trás do aparentemente ingênuo pedido da
banca, escondem-se algumas possíveis (e perigosas) armadilhas.
No trecho I, a troca de "se" por
"caso" sugere a troca do futuro do
subjuntivo (em que está flexionada a forma "for", do verbo "ser")
pelo presente do subjuntivo:
"...caso o produto não seja corretamente utilizado".
Por que eu disse "sugere"? Porque, com a conjunção "caso", predomina o uso do presente do subjuntivo; há, no entanto, pelo menos uma voz discordante, a do
professor Domingos Paschoal Cegalla, que, em seu "Dicionário de
Dificuldades da Língua Portuguesa", dá estes exemplos: "Caso
persistirem as chuvas, os rios
transbordarão"; "Ele será processado, caso não se retratar".
No "Aurélio" e no "Houaiss", os
exemplos são estes, respectivamente: "Caso você fique, é bom
avisar"; "Caso ele vá, nós avisaremos". Celso Cunha e Lindley Cintra dão este exemplo, de Ciro dos
Anjos: "A entrevista ficou marcada para as quatro da tarde, caso
você não prefira ir à noite". O
"Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea", da Academia das Ciências de Lisboa, dá este exemplo: "Caso ele venha, é
preciso preparar-lhe o quarto".
Pelo jeito, apesar do abono de
Cegalla, quem trocou "se" por
"caso" e manteve "for" ("...caso o
produto não for corretamente...")
deve ter feito mau negócio.
E o trecho II? Agora, a troca de
"caso" por "se" impõe o percurso
contrário, ou seja, a troca do presente do subjuntivo (em que está
flexionada a forma "contenha")
pelo futuro do subjuntivo. Pois é
justamente aí que a roda pode pegar. A resposta não é "... se ele
conter menos de 60% de seu conteúdo". O verbo "conter" segue a
conjugação de "ter", do qual deriva. A forma padrão é "...se ele
contiver menos de...". É isso.
Pasquale Cipro Neto escreve nesta coluna às quintas-feiras
E-mail - inculta@uol.com.br
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