São Paulo, sábado, 26 de agosto de 2006

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Justiça admite erro e liberta "João negro"

Criminoso deveria ter deixado a prisão em 2005, mas continuou detido porque recebeu pena de um homônimo branco

Ele diz temer ser confundido novamente com o "João branco" e voltar à prisão; em liberdade, deseja ver o mar e voltar a trabalhar


DANIELA TÓFOLI
DA REPORTAGEM LOCAL

"João negro" está solto. Depois de passar dez meses a mais na cadeia, cumprindo a pena de um homônimo branco, João Pereira da Silva, 34, negro, condenado em 2004 a um ano de prisão por furtar uma carteira com R$ 10, foi libertado ontem, às 16h21, da penitenciária de Franco da Rocha, na Grande São Paulo. Sem nem um centavo no bolso, tentava encontrar a melhor maneira de chegar até a delegacia da cidade.
O maior medo de "João negro" é voltar para a cadeia. "Se alguém me parar e pedir meu nome, vai achar que estou foragido por causa do outro João. Tenho que fazer um documento na delegacia para ficar registrado que já cumpri minha pena", dizia. "Nunca mais quero ficar preso."
João deveria estar solto desde outubro do ano passado, mas acabou cumprindo a pena de outro João Pereira da Silva, 28, branco, que tem os mesmos nomes de pai e de mãe que ele. "João branco" foi condenado a três anos e meio por roubar, com uma arma, R$ 162. Ficou seis meses na penitenciária de Hortolândia, região de Campinas, e fugiu em 1999.
"João negro", que não tem advogado, há um ano conseguiu fazer o exame datiloscópico (que registra impressões digitais) para provar que não era o "João branco". Em março, os resultados, que comprovaram que suas digitais são diferentes das do homônimo, chegaram à Justiça. Mas reportagem da Folha de ontem mostrou que "João negro" continuava preso.
Questionado, o juiz de Franco da Rocha, Miguel Ferrari Júnior, disse não se lembrar do caso porque havia assumido em junho. Também informou que, ao verificar o caso junto à SAP (Secretaria da Administração Penitenciária), constava só a informação de que João Pereira da Silva estava foragido da penitenciária de Hortolândia.
Ao ser avisado que havia um João Pereira da Silva preso em Franco da Rocha, foi consultar o presídio e descobriu que a informação era verdadeira. Prometeu, então, analisar o processo dentro de oito dias. Ontem, porém, o juiz expediu um ofício liberatório, após constatar que "João negro" estava mesmo cumprindo uma pena que não era dele. Ferrari Júnior não quis dar entrevista.
A SAP, por sua vez, enviou ontem nota oficial informando que, em outubro do ano passado, havia comunicado à Justiça o término da pena de "João negro", solicitando seu alvará de soltura. "Na ocasião, o Departamento de Execuções Criminais não expediu o competente alvará, devido a ambigüidade suscitada, alegando haver dúvidas quanto à identificação do sentenciado e sua real situação processual", diz a nota.
Outro ofício, informa a secretaria, foi enviado com a documentação dos dois sentenciados, como fichas qualificativas, cópia dos registros gerais, informações cadastrais, fotografias e novo pedido de expedição de alvará de soltura.
"Sempre disse que era inocente, que não tinha por que continuar preso, mas ninguém me ouvia", contou "João negro" na porta da penitenciária. "Não perdi a esperança de ser solto; esperava por isso todos os dias, mas não sabia que seria hoje [ontem]. Agora, nem sei o que fazer." A primeira coisa que fez, foi conseguir uma carona até a delegacia.


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