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EUA têm rede de informantes no Brasil
Agentes de segurança norte-americanos têm a missão de cooptar brasileiros para ajudá-los em ações contra criminosos
DEA, FBI, CIA e NAS têm recursos financeiros para aliciar policiais, empresários e até jornalistas com quem querem trocar favores
ANDRÉ CARAMANTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
Órgãos de segurança dos Estados Unidos mantêm no Brasil
-principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e
Amazonas- uma rede formada
por pelo menos 60 agentes que
têm como função principal
cooptar informantes para abastecer setores de inteligência
norte-americanos em investigações de crimes como o narcotráfico e a lavagem de dinheiro.
Agentes do DEA (Drug Enforcement Administration),
CIA (Central Intelligence
Agency), FBI (Federal Bureau
of Investigation) e NAS (Narcotics Affairs Section) -respectivamente a agência de combate
às drogas, a central de inteligência, a polícia federal e a outra instituição contra o narcotráfico dos EUA- atuam no
território brasileiro travestidos
de "adidos consulares".
A informação foi confirmada
à Folha por membros da Fenapep (Federação Nacional dos
Policiais Federais), por diretores do Sindicato dos Delegados
de Polícia Federal do Estado de
São Paulo e até mesmo por um
ex-diretor do FBI no Brasil, o
português com cidadania norte-americana e brasileira Carlos Alberto Costa, 53 (veja abaixo). Entre 1999 e 2003, ele foi
"adido jurídico" da Embaixada
dos Estados Unidos no Brasil.
A função dos "adidos consulares" do setor de inteligência
do governo de George W. Bush,
na maior parte das vezes, é
cooptar policiais e delegados
brasileiros (federais e estaduais), policiais militares, empresários, advogados e até jornalistas para que esses profissionais forneçam dados para
que ações de interesse dos EUA
ocorram no nosso país.
A Folha apurou que os norte-americanos têm cerca de
cem informantes em sua rede.
Baseados na embaixada norte-americana em Brasília ou
nos consulados, os agentes da
inteligência dos Estados Unidos centralizam as informações de seus cooptados brasileiros e as repassam para a capital de seu país, Washington.
Um sinal de que Washington
coordena operações internacionais foi a prisão do colombiano Pablo Joaquín Rayo
Montano, em maio de 2006.
No momento em que ele era
encarcerado em SP ocorriam
prisões em outros dez países.
Um ano depois da prisão de
Montano, o ex-jogador de futebol colombiano Freddy Rincón
foi preso pela PF acusado de
associação para o tráfico e a pedido do governo do Panamá.
Rincón é suspeito de participar da Nautipesca, uma empresa que teve um barco apreendido com drogas na costa do Panamá e que seria de Montano.
Durante a prisão, no último
dia 7, do engenheiro e narcotraficante colombiano Juan
Carlos Ramírez Abadía, 44, em
sua casa em Aldeia da Serra,
Barueri (Grande SP), agentes
do DEA estiveram presentes o
tempo todo e forneceram a
principal prova de que ele era
um dos traficantes mais procurados do mundo. Foi o DEA
que confirmou, por meio de
teste de voz, que o colombiano
investigado era mesmo Abadía.
Os agentes americanos participam até de operações de busca e apreensão. Quando a PF
brasileira foi a Campinas
apreender quase R$ 3 milhões
em dólares e euros que o traficante mantinha escondidos, os
agentes do DEA acompanharam a ação num carro com placa do corpo diplomático e vidros escurecidos. O veículo se
deslocava em alta velocidade e
quase atropelou jornalistas que
cobriam a operação.
Enquanto um agente da PF
quebrava com uma picareta o
local onde o dinheiro estaria
enterrado, agentes do DEA observavam tudo de braços cruzados. Horas depois da apreensão em Campinas, a PF liberou
as imagens da ação para exibição em rede nacional de TV.
Três dias após a prisão de
Abadía, a PF anunciou que não
vai aceitar recompensa da polícia norte-americana pela prisão do narcotraficante. O DEA
oferecia US$ 5 milhões (cerca
de R$ 9,5 milhões) para quem
ajudasse a prender Abadía, um
dos traficantes mais procurados nos Estados Unidos.
Segundo a PF, a orientação
para o não-recebimento da recompensa é porque a polícia
tem como missão enfrentar e
combater o narcotráfico.
Equipamentos e polígrafo
Dentro da PF, principalmente em Brasília, base do órgão,
não faltam candidatos a aliados
dos "adidos consulares" norte-americanos. Além de prover a
PF brasileira com equipamentos (principalmente computadores e aparelhos de escutas telefônicas), os "adidos" escolhem a dedo aqueles com quem
desejam trabalhar no Brasil.
A seleção para os préstimos,
segundo membros do sindicato
dos policiais federais, é bem
profissional: o policial brasileiro, por exemplo, é convidado a
fazer um curso de capacitação
na academia central do FBI, em
Quantico, no Estado da Virgínia. Lá, ele é submetido ao detector de mentiras.
De maneira objetiva, mas como se fosse um filme de espionagem internacional: o policial
brasileiro é submetido aos testes de um polígrafo, o aparelho
que mede as reações fisiológicas e determina se ele será fiel
nas missões que vier a cumprir.
R$ 11 milhões na conta
Nem sempre as ações entre
agentes policiais norte-americanos e brasileiros ocorrem às
claras. Agentes do DEA já foram acusados de usar dinheiro
sujo para promover ações na
Colômbia e no México.
No Brasil, há casos nebulosos. Em 2004, o então responsável pelo combate ao narcotráfico da PF, delegado Getúlio
Bezerra Santos, foi acusado pelo Ministério Público Federal
de improbidade administrativa. Motivo: recebeu em uma
conta bancária em seu nome
recursos dos Estados Unidos.
Entre março de 1999 e dezembro de 2002, os norte-americanos fizeram 93 depósitos
bancários ao delegado, superando R$ 11 milhões. Hoje, Santos é o responsável pelo combate ao crime organizado da PF.
Segundo ele, o processo na Justiça foi extinto em junho.
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