São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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EUA têm rede de informantes no Brasil

Agentes de segurança norte-americanos têm a missão de cooptar brasileiros para ajudá-los em ações contra criminosos

DEA, FBI, CIA e NAS têm recursos financeiros para aliciar policiais, empresários e até jornalistas com quem querem trocar favores

ANDRÉ CARAMANTE
ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA

Órgãos de segurança dos Estados Unidos mantêm no Brasil -principalmente em São Paulo, Rio de Janeiro, Paraná e Amazonas- uma rede formada por pelo menos 60 agentes que têm como função principal cooptar informantes para abastecer setores de inteligência norte-americanos em investigações de crimes como o narcotráfico e a lavagem de dinheiro.
Agentes do DEA (Drug Enforcement Administration), CIA (Central Intelligence Agency), FBI (Federal Bureau of Investigation) e NAS (Narcotics Affairs Section) -respectivamente a agência de combate às drogas, a central de inteligência, a polícia federal e a outra instituição contra o narcotráfico dos EUA- atuam no território brasileiro travestidos de "adidos consulares".
A informação foi confirmada à Folha por membros da Fenapep (Federação Nacional dos Policiais Federais), por diretores do Sindicato dos Delegados de Polícia Federal do Estado de São Paulo e até mesmo por um ex-diretor do FBI no Brasil, o português com cidadania norte-americana e brasileira Carlos Alberto Costa, 53 (veja abaixo). Entre 1999 e 2003, ele foi "adido jurídico" da Embaixada dos Estados Unidos no Brasil.
A função dos "adidos consulares" do setor de inteligência do governo de George W. Bush, na maior parte das vezes, é cooptar policiais e delegados brasileiros (federais e estaduais), policiais militares, empresários, advogados e até jornalistas para que esses profissionais forneçam dados para que ações de interesse dos EUA ocorram no nosso país.
A Folha apurou que os norte-americanos têm cerca de cem informantes em sua rede.
Baseados na embaixada norte-americana em Brasília ou nos consulados, os agentes da inteligência dos Estados Unidos centralizam as informações de seus cooptados brasileiros e as repassam para a capital de seu país, Washington.
Um sinal de que Washington coordena operações internacionais foi a prisão do colombiano Pablo Joaquín Rayo Montano, em maio de 2006. No momento em que ele era encarcerado em SP ocorriam prisões em outros dez países.
Um ano depois da prisão de Montano, o ex-jogador de futebol colombiano Freddy Rincón foi preso pela PF acusado de associação para o tráfico e a pedido do governo do Panamá.
Rincón é suspeito de participar da Nautipesca, uma empresa que teve um barco apreendido com drogas na costa do Panamá e que seria de Montano.
Durante a prisão, no último dia 7, do engenheiro e narcotraficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadía, 44, em sua casa em Aldeia da Serra, Barueri (Grande SP), agentes do DEA estiveram presentes o tempo todo e forneceram a principal prova de que ele era um dos traficantes mais procurados do mundo. Foi o DEA que confirmou, por meio de teste de voz, que o colombiano investigado era mesmo Abadía.
Os agentes americanos participam até de operações de busca e apreensão. Quando a PF brasileira foi a Campinas apreender quase R$ 3 milhões em dólares e euros que o traficante mantinha escondidos, os agentes do DEA acompanharam a ação num carro com placa do corpo diplomático e vidros escurecidos. O veículo se deslocava em alta velocidade e quase atropelou jornalistas que cobriam a operação.
Enquanto um agente da PF quebrava com uma picareta o local onde o dinheiro estaria enterrado, agentes do DEA observavam tudo de braços cruzados. Horas depois da apreensão em Campinas, a PF liberou as imagens da ação para exibição em rede nacional de TV.
Três dias após a prisão de Abadía, a PF anunciou que não vai aceitar recompensa da polícia norte-americana pela prisão do narcotraficante. O DEA oferecia US$ 5 milhões (cerca de R$ 9,5 milhões) para quem ajudasse a prender Abadía, um dos traficantes mais procurados nos Estados Unidos.
Segundo a PF, a orientação para o não-recebimento da recompensa é porque a polícia tem como missão enfrentar e combater o narcotráfico.

Equipamentos e polígrafo
Dentro da PF, principalmente em Brasília, base do órgão, não faltam candidatos a aliados dos "adidos consulares" norte-americanos. Além de prover a PF brasileira com equipamentos (principalmente computadores e aparelhos de escutas telefônicas), os "adidos" escolhem a dedo aqueles com quem desejam trabalhar no Brasil.
A seleção para os préstimos, segundo membros do sindicato dos policiais federais, é bem profissional: o policial brasileiro, por exemplo, é convidado a fazer um curso de capacitação na academia central do FBI, em Quantico, no Estado da Virgínia. Lá, ele é submetido ao detector de mentiras.
De maneira objetiva, mas como se fosse um filme de espionagem internacional: o policial brasileiro é submetido aos testes de um polígrafo, o aparelho que mede as reações fisiológicas e determina se ele será fiel nas missões que vier a cumprir.

R$ 11 milhões na conta
Nem sempre as ações entre agentes policiais norte-americanos e brasileiros ocorrem às claras. Agentes do DEA já foram acusados de usar dinheiro sujo para promover ações na Colômbia e no México.
No Brasil, há casos nebulosos. Em 2004, o então responsável pelo combate ao narcotráfico da PF, delegado Getúlio Bezerra Santos, foi acusado pelo Ministério Público Federal de improbidade administrativa. Motivo: recebeu em uma conta bancária em seu nome recursos dos Estados Unidos.
Entre março de 1999 e dezembro de 2002, os norte-americanos fizeram 93 depósitos bancários ao delegado, superando R$ 11 milhões. Hoje, Santos é o responsável pelo combate ao crime organizado da PF. Segundo ele, o processo na Justiça foi extinto em junho.


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