São Paulo, domingo, 26 de agosto de 2007

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Solitário paga R$ 300 para ter "amigo"

Não há cunho psicológico ou sexual, dizem os "personal friends" que anunciam serviços na internet

Especialista em amizade profissional cobra por hora para conversar com você e acompanhá-lo no shopping ou, se for no Rio, no calçadão

PAULO SAMPAIO
DA REPORTAGEM LOCAL

Atenção você, leitor, que sofre com a falta de "amigos, desses que olham nos olhos e falam com sinceridade", não fique assim pra baixo: seu problema pode estar resolvido.
O mercado de babás de luxo acaba de acrescentar a seu crescente leque de ofertas o assim chamado "personal friend". Trata-se de um especialista em amizade profissional, que cobra por hora para ser seu amigo, conversar e acompanhá-lo em voltinhas pelo shopping ou, se for no Rio, pelo calçadão, tomando uma água de coco.
Os psicólogos não precisam se sentir ameaçados. O novo profissional faz questão de esclarecer que não tem a menor intenção de ser terapeuta. Disponibiliza apenas a amizade.
A profissão é nova mesmo. Os entrevistados começaram no ramo há menos de um ano e, segundo dizem, estão com a agenda tomada. Ah, importante: o serviço acaba na amizade, descartando-se, portanto, qualquer proposta de cunho sexual. Que tal? Sorriu? Então aí vão os detalhes: o amigo pessoal por dinheiro cobra uma taxa que pode variar de R$ 50 a R$ 300; em geral prefere trabalhar em lugares públicos e não tem restrições quanto à faixa etária.
Já há pelo menos três precursores no ramo oferecendo seus serviços na internet. Um em São Paulo, dois no Rio. Apenas um não quis conversar com a reportagem, alegando que se considera muito novo na área para dar depoimentos.
Em experiências pregressas, o profissional da amizade em geral teve "contato com gente" e descobriu um talento inato para "falar". Seria, traduzindo livremente o termo do inglês, um conversador. Tomemos o caso do estudante de direito Ivo Matos, 31. Até chegar à conclusão de que poderia cobrar para ser amigo de pessoas com dificuldade de relacionamento, ele acumulou um currículo bastante razoável: foi motoboy, manobrista, auxiliar de lava-rápido e garoto McDonald's.
Matos descobriu que poderia desenvolver sua aptidão ao fazer um trabalho para a faculdade no qual "abordava o Brasil como um país bastante tolerante". "Aqui vivem pessoas de todos os povos, raças, credos, mas nem sempre esses grupos se relacionam bem. Trabalhei com marketing multinível e precisei fazer palestras, convencer pessoas a comprar determinados produtos. Aquilo não era nada mais que uma lavagem cerebral. Descobri em mim um talento especial nessa área", conta ele, que cobra R$ 50 pela hora de amizade.
Outro profissional é o palestrante Silvério Veloso, 42, que atua desde março no Rio e se surpreendeu quando soube da existência de Matos: "Não sabia que havia mais gente desenvolvendo a atividade", diz Veloso, com forte sotaque carioca. "Nunca pretendi patentear o termo, não me considero seu criador. Apenas percebi uma lacuna no mercado e fui atrás."
Ele diz cobrar R$ 300 a hora ("preço de Rio de Janeiro") e ter cerca de 50 clientes cadastrados, "por volta de metade disso ainda ativos".
Como Matos, Veloso também tem currículo variado: ele se apresenta como "ex-empresário da área de mineração em um negócio familiar e também professor formado em educação física". "Quando nossa família vendeu a empresa, resolvi transmitir meu conhecimento dando palestras [em uma faculdade de Barra Mansa, interior do Rio]. Percebi que havia uma demanda grande na área de associativismo e empreendedorismo como sustentabilidade para empresas", explica.
Diz ele que o que mais o interessa são as palestras, "até pelo lado financeiro, que é muito mais vantajoso". "A palestra e o acompanhamento como "personal friend" funcionam em dobradinha. Ao fim da apresentação, quem assiste me procura para conversar e acaba desabafando sobre suas dificuldades no trabalho." Acima de tudo, acredita Veloso, "as pessoas precisam ser ouvidas": "A gente vê diversos livros abordando o tema de forma técnica, mas é comportamental", ensina.
Um de seus clientes é o Volta Redonda Futebol Clube, onde ele aplica o que chama de "personal friend corporativo": "Como tenho o curso de educação física e acumulei experiência em gestão corporativa, falo a língua dos jogadores de futebol e também a da diretoria do clube. Costumo dizer que funciono como um ouvido que percorre a empresa e informa as necessidades dos funcionários a seus dirigentes", explica.
O "personal friend" de número três, Welington Alves, 47, que também usa o termo para se classificar no Orkut, respondeu à reportagem que ainda não tem cabedal suficiente na área para dar entrevistas. Diz ele no Orkut: "Se você é do Rio, capital, se sente só e não possui pessoas que possam ser classificadas de verdadeiros(as) amigos(as) e precisa de um ombro amigo, um confidente ou um acompanhante para conversar ou desabafar, veio ao lugar certo. O serviço não é gratuito e é pré-agendado". Ele não informa o preço.
Antes que alguém "confunda tudo", Alves faz questão de esclarecer: "Não procuro relacionamentos amorosos ou sexo. Nem sou homosexual (sic). Portanto, se não precisa do serviço oferecido aqui, não insista nem me incomode".


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