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Caos ecológico leva pessoas a neutralizarem culpa e carbono
Consumidores adotam ações convenientes, como plantar mudas pela internet ou até mesmo ir a eventos ecológicos, para compensar o impacto ambiental
ADRIANA KÜCHLER
DA REVISTA DA FOLHA
Na última quarta, a aposentada Cecília Martinez, 66, repetiu mais uma vez uma atitude
que vem praticando desde
2000. Plantou uma árvore.
Até semana passada, ela calcula ter repetido o gesto por
1.900 vezes. Mas suas mudas
não estão no quintal, elas foram
plantadas sem deixar calos ou
sujeira de terra nas mãos. Bastou um rápido clique no mouse.
"Levanto cedo, vou para o
computador, planto as árvores
e fico com a consciência mais
leve", conta Cecília. "Não entendo muito sobre aquecimento global. Mas acompanho o tema e sei que sou parte do problema. A gente sente culpa, e
comecei a fazer isso para aliviar
um pouco a consciência."
A aposentada é uma das
principais jardineiras eletrônicas de um site ligado ao projeto
SOS Mata Atlântica, em que internautas podem plantar árvores bancadas por empresas.
Ações simples como essa são
cada vez mais comuns e se
transformaram em uma maneira rápida e prática de aliviar
a culpa ecológica.
São "atos de contrição eletrônica", na definição do psicanalista Jorge Forbes, 56. Ele
lembra que, há 30 anos, as pessoas iam à igreja, falavam o que
tinham cometido, rezavam e
comungavam até voltar a pecar. "Essas são as mesmas pessoas que hoje deletam o pecado
pelo plantio de árvores na internet. Limpo minha semana
perversa com uma boa ação. É
uma tremenda descarga de responsabilidade", diz Forbes.
Ninguém duvida que o aquecimento global seja um problema. Provoca derretimento de
geleiras, elevação do nível dos
mares, inundações e muita,
muita culpa. Culpa por atividades cotidianas, como andar de
carro, que polui e destrói a camada de ozônio, e até tomar
um banho longo, que põe em
risco um recurso finito.
Para Eda Tassara, 68, coordenadora do Laboratório de
Psicologia Sócio-Ambiental e
Intervenção da USP, o debate,
em vez se transformar numa
discussão sobre a mudança de
hábito dos consumidores, foi
canalizado para as catástrofes.
Portanto, é natural que as pessoas se sintam culpadas e impotentes. E reajam com respostas imediatas, como clicar num site ecológico.
Festa sem carbono
O casal de arquitetos Renato
Barandier, 27, e Izabella Lentino, 30, preferiu ir além da mesa
do computador. No final de outubro, eles vão fazer de seu casamento, em Niterói (RJ), um
evento "carbon free" -para
usar um termo tão em voga.
"Quando pensamos nos caminhões trazendo vinho do
Sul, nos convidados vindos da
Alemanha e de Brasília, achamos que tínhamos de fazer alguma coisa para compensar o
impacto", diz Renato.
Para minimizar o estrago
ambiental provocado pela
união, eles irão plantar árvores.
Quantas, o casal ainda não sabe. Eles contrataram a empresa
Carbono Neutro para fazer a
conta. Plantio e acompanhamento do crescimento das
plantas também serão de responsabilidade da empresa.
"Só queremos que as pessoas
saibam que pequenas ações
também têm impactos simples
de serem compensados sem esforços", explica Renato.
Assim como o casal, tem
muita personalidade divulgando a causa verde. O ator Leonardo diCaprio produziu um
documentário sobre a crise ambiental, assim como Al Gore, o
garoto-propaganda da causa.
Foi exatamente a visita de
Gore ao Brasil quem incentivou
a estréia ecológica do taxista
João Batista Santos, 43. "Só se
falava em aquecimento global,
essas coisas. Me senti responsável por parte do problema.
Não quero parar de dirigir. Como vou fazer a minha parte?"
João encontrou uma maneira. Ele decidiu tentar neutralizar as emissões de carbono de
seu táxi. O motorista conta que
levou um susto quando descobriu que joga nos ares de São
Paulo 93 kg de CO2 diariamente
-a mesma quantia liberada
por um carro a gasolina, de São
Paulo a Ribeirão Preto (314 km
de SP). Para compensar, o taxista precisa plantar uma árvore a cada sete dias.
De olho no feito, o taxista pede a contribuição dos passageiros. "Faço uma sugestão de
doação. Uma corrida de 15 minutos gera 3 kg de CO2. Com
muda e manutenção a R$ 40, o
passageiro pode contribuir
com R$ 0,16 para o plantio", explica. Pau-brasil, é bom frisar.
Alívio demorado
Se a compensação de carbono é difundida entre países,
empresas e pessoas que querem fazer algo pelo meio ambiente, seus benefícios ainda
não são um consenso.
"Não acontece na hora. As árvores podem levar 37 anos para
crescer e consumir o gás. Atitude verde mesmo é não emitir",
defende o diretor-presidente
do Instituto Akatu pelo Consumo Consciente, Helio Mattar.
Segundo pesquisa da Akatu,
37% das pessoas estão dispostas a pagar mais caro por produtos ecológicos e sociais. Mas
Helio critica a simples troca.
"Só substituir é um risco. Não
basta que o produto seja verde
ou social. O produto verde também precisa de energia, transporte, água. Por mais verde que
seja, dificilmente não deixará
impacto no meio ambiente. É
preciso reduzir o consumo."
A mudança de hábito também é defendida pelo coordenador do projeto ESPM Social,
Ismael Rocha, 48. "Quando você compra um produto desses,
é como se livrasse da responsabilidade. É terceirizar a responsabilidade que você deveria
ter." Há diferentes maneiras de
passar a bola do compromisso
para frente. Ir a um evento que
planta árvores não representa
uma ação significativa. "Os desavisados acham lindo. O que
importa é o que eles fazem em
casa depois", critica Ismael.
Eda Tassara, da USP, diz que
um passo importante na construção de uma consciência ecológica se dá pela educação.
"A mobilização em torno da
causa deve levar as pessoas a
discutirem e buscarem soluções. O problema é que muita
gente age movida pelo politicamente correto. Essas ações, como plantar árvore pela internet, funcionam apenas como
um corretivo."
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