São Paulo, quinta-feira, 26 de outubro de 2000

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Cientistas sociais tentam estudar e acompanhar evolução genética

LUIZ CAVERSAN
DO ENVIADO ESPECIAL

Os avanços verificados na genética exigem que os cientistas sociais aprimorem seus conhecimentos a respeito e passem a acompanhar e a estudar a evolução das novas técnicas e seu impacto na sociedade.
Essa foi a conclusão da mesa de debates do encontro da Anpocs que ocorreu ontem, sob o título "Ciências Sociais e Genética: Autonomia e Dependência".
Diante do que chamou de "biologicismo", ou seja, a excessiva exposição da biologia genética nos meios de comunicação e no dia-a-dia das pessoas, o pesquisador Ricardo Ventura, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), afirmou que é necessário compreender melhor a relação da biologia com os processos sociais.
Para demonstrar a complexidade do tema e o desconhecimento em relação a ele, citou o biólogo dos EUA Richard Jefferson. Em entrevista recente à Folha, o biólogo disse que o mapeamento do genoma humano, por exemplo, pode ser comparado ao teclado de um piano: entender o que significa cada tecla não quer dizer necessariamente que se poderá tocar uma composição de Beethoven.
Na opinião de Ventura, os cientistas sociais precisam estar atentos para detectar o que, nas relações humanas, é fruto da genética e o que é fruto do próprio ambiente onde elas ocorrem.
O médico e biólogo Renato Flores, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, defendeu a existência de uma participação decisiva da biologia no comportamento humano.
Ele coordena um grupo que trabalha com crianças agredidas e afirma que o estudo da genética pode colaborar para que seja possível entender os mecanismos mentais que levam a atos de violência e a situações como aquela em que o agredido de hoje se torna o agressor da próxima geração.
"Pode-se estudar de que tipo é e onde ocorreram as mudanças na estrutura cerebral do indivíduo vítima de agressão. Portanto, torna-se necessário também estudar como atuam no cérebro a pobreza, a violência etc."
Para ele, a imbricação entre as ciências sociais e a biologia ocorre quando se constata que assassinos ou indivíduos hiperviolentos foram "produzidos socialmente e apresentam problemas de estrutura cerebral ou alterações neurais. A sociologia da violência deve atentar para isso".
Ricardo Wizbort, também da Fiocruz, afirmou que "cada vez mais a genética influencia a sociedade. Os cientistas sociais estão apenas tateando ainda, tentando estabelecer uma ponte entre as ciências sociais e a genética e suas novas técnicas, como a clonagem, "que tem invadido nossas vidas".
O pesquisador fez um apelo a seus colegas: "Não podemos mais negligenciar as novas tecnologias, nem em relação aos avanços positivos e benéficos para a sociedade, nem quanto às mudanças sociais e políticas que irão fatalmente ocorrer. Nós não sabemos como os gens vão interagir e o que pode resultar das experiências em curso. Portanto, é preciso atentar para as consequências éticas e sociais dessas técnicas".
Para ele, "é provável que haverá clones de seres humanos. Por isso, devemos observar a grande complexidade da relação entre o gens e o comportamento".
Wanderley Guilherme dos Santos foi buscar em Thomas Hobbes (filósofo inglês, 1588-1679) e no "pai da psicanálise", Sigmund Freud (austríaco, 1856-1939), indicativos da estruturação da sociedade. Primeiro, em bases de acumulação de poder, prestígio e riqueza.
Depois, nas consequências que essas "motivações originais" causam nos seres humanos, para defender o papel das instituições (sociais, políticas, familiares) na "intermediação para o avanço em direção a uma maior harmonia social".
"Temos que sair um pouco da visão de que os comportamentos humano e social se justificam pelo determinismo original, o que, aliás, se reflete na extrema competição que se verifica na economia e na sociedade contemporâneas."
Para ele, os cientistas sociais devem ampliar o espectro de suas informações e se aproximar de outras disciplinas contemporâneas, como a genética, para buscar respostas novas para antigas indagações.


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