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ENTREVISTA
SÉRGIO CABRAL FILHO
Se homem ficasse grávido, aborto já seria legal no país
Governador diz que falta de política pública, e não favela, é fábrica de produzir marginal
Cabral afirma que pretende "extirpar" tráfico em quatro grandes favelas do Rio até fevereiro de 2008, quando começam obras do PAC
MARCELO BERABA
DA SUCURSAL DO RIO
O governador do Rio, Sérgio
Cabral Filho (PMDB), 44, disse
ontem que pretende "extirpar"
o tráfico que domina quatro
grandes favelas (Complexo do
Alemão, Rocinha, Manguinhos
e Pavão Pavãozinho) até fevereiro, quando começam as
obras do PAC (Programa de
Aceleração do Crescimento) do
governo federal em associação
com o Estado e o município.
Na entrevista que concedeu
em seu gabinete, no Palácio
Guanabara (Laranjeiras, zona
sul), Cabral reclamou da manchete de ontem da Folha
-"Para Cabral, fertilidade faz
de favela "fábrica de marginais'"- por considerá-la errada. "Não é a favela que é uma
fábrica de produção de marginal, mas é o fato de o Estado
não ter uma política pública e
não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a
gravidez", explicou.
"Se o homem ficasse grávido
e não a mulher, o aborto já seria legal no Brasil há muito
tempo", disse.
FOLHA - A sua declaração provocou
uma forte contestação.
SÉRGIO CABRAL - Foi um erro da
Folha. Eu não disse que a favela é uma fábrica de produzir
marginal, como está na manchete. O que eu venho defendendo há muito tempo é o direito da mulher à interrupção
da gravidez indesejada. Se o homem ficasse grávido e não a
mulher, o aborto já seria legal
no Brasil há muito tempo.
O que fiz menção no caso da
violência é que o livro "Freakonomics" [Steven Levitt e Stephen J. Dubner] mostra que,
nos EUA, o fato de o aborto ter
sido legalizado teve uma relação importante com a queda da
criminalidade lá na frente.
No momento em que uma
mulher, pobre ou rica, tem a
opção de ir à rede pública ou
privada credenciada estaria garantido um direito que hoje não
é concedido e que teria implicações no perfil demográfico brasileiro e traria diversas conseqüências, entre elas, a redução
da criminalidade, como mostra
o livro.
FOLHA - As declarações que o senhor fez permitem entender que se
referia às favelas quando falou em
"fábrica de produzir marginal".
CABRAL - Não é a favela que é
uma fábrica de produção de
marginal, mas o fato de o Estado não ter uma política pública
e não oferecer às mulheres pobres a chance de suspender a
gravidez.
FOLHA - Há uma discussão sobre o
aborto sob o ponto de vista da saúde
pública.
CABRAL - Claro que é saúde pública, mas tem decorrências.
Vai numa comunidade carente
e verá o número de meninas
com 19 anos com dois, três filhos que elas não queriam ter.
O planejamento familiar é importante, assim como uma série de políticas públicas e o
aborto.
FOLHA - O senhor já defendeu a
descriminalização das drogas, a redução da maioridade penal, a autonomia dos Estados para legislarem
sobre, entre outros temas, questões
penais e, agora, o aborto. Que outras idéias o senhor tem para enfrentar a criminalidade?
CABRAL - Piraí é uma cidade do
centro-sul fluminense que tem
25 mil habitantes e dez vezes
mais escolas públicas do que no
Complexo do Alemão, onde
moram 130 mil pessoas. Tem
alguma coisa errada. Defendo
investimentos sociais e urbanísticos, que é o que vamos fazer com o PAC. Vamos transformar essas comunidades, que
passarão a ter um investimento
civilizatório. Hoje elas estão jogadas.
O outro aspecto importante é
o enfrentamento [com o tráfico
nas favelas]. Nossa política não
pode abrir mão do enfrentamento porque eu não posso
aceitar que seja normal que um
carro da polícia entre numa comunidade e seja alvejado por
criminosos. É sinal que ali existe um controle paralelo e nós
temos de enfrentá-lo.
FOLHA - Mas esta política, já em vigor em outros governos, não tem levado a um resultado satisfatório.
CABRAL - O preço do estresse do
enfrentamento é um preço que
trabalhamos diariamente para
ter a menor conseqüência possível, de preferência que não
haja uma vítima inocente.
Aquelas comunidades onde entramos e enfrentamos o crime
organizado ficam muito felizes
porque estão cansadas da selvageria diária.
FOLHA - Por que o governo não
consegue dominar e permanecer
nas áreas que invade?
CABRAL - Só se você me trouxer
15 mil homens novos e me der
as condições. Não temos contingente suficiente para isso. A
polícia de Nova York tem mais
de 120 mil policiais para 11 milhões de habitantes, nós temos
50 mil policiais para 15 milhões
de habitantes.
FOLHA - O governo vai iniciar as
obras do PAC no Complexo do Alemão com o tráfico atuante ou vai extirpá-lo antes das obras?
CABRAL - Vamos extirpar. Vamos extirpar em muitos lugares. Não é uma briga fácil, é
uma guerra que você não tem
como mensurar o cronograma.
FOLHA - Então não tem como implantar hoje o PAC nestas favelas
com o domínio do tráfico?
CABRAL - Não tem, de jeito nenhum.
FOLHA - E quando começa o PAC?
CABRAL - [Ri] Possivelmente
em fevereiro.
FOLHA - Então teremos o Alemão
em fevereiro com PAC e sem tráfico?
CABRAL - Teremos.
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