São Paulo, quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

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GILBERTO DIMENSTEIN

Onde os fracos têm vez

Em meio à sujeira do rio Tietê, o documentarista Evaldo Mocarzel testemunhou cenas de beleza natural

A CONVIVÊNCIA ÍNTIMA COM OS ODORES, a sujeira e a poluição do rio Tietê ensinou o documentarista Evaldo Mocarzel a descobrir, ao mesmo tempo, um novo olhar sobre a arte e uma nova maneira de ver a cidade. A descoberta levou-o a percorrer, na noite de segunda-feira, a praça Roosevelt, até pouco tempo atrás só ocupada por mendigos, traficantes, viciados e travestis -uma paisagem tão deteriorada como a do rio que corta São Paulo, mas agora rodeada de atores e de toda uma tribo que aprecia o teatro alternativo.
Nascido em Niterói, criado no Rio e há 17 anos morando em São Paulo, Mocarzel filmou a peça BR3, encenada ao longo do Tietê, para um documentário, ainda em fase de finalização. "Vi como a peça conseguiu chamar a atenção para um rio tão esquecido pela população."
Ele próprio trabalhou por muitos anos na marginal do Tietê e nunca tinha prestado atenção ao rio, onde conseguiu, em meio à sujeira, testemunhar cenas de beleza natural -um vôo solitário de uma garça ou o caminhar vagaroso de uma anta em meio a flores.

 

Imagens urbanas desoladas já não surpreendem Mocarzel há muito tempo -aliás, essa é a matéria-prima de seus documentários, nos quais aparecem moradores de rua, catadores de papel e integrantes do movimento dos sem-teto.
"A diferença é que, ali no Tietê, aprendi como a arte dá novo significado aos espaços de uma cidade.
É como se se transformassem exatamente num palco." Justamente por isso ele estava, na noite de segunda-feira, iniciando as filmagens sobre o grupo Os Satyros, cujo teatro foi decisivo para mudar a paisagem da praça Roosevelt e criar um pólo de arte alternativa.
Está previsto para este semestre o anúncio da empresa vencedora de licitação pública para a reforma da praça, cuja vocação é claramente teatral. "Quero mostrar toda essa transformação, na qual a arte remodela a cidade."
 

Foi esse mesmo olhar que Mocarzel projetou no Jardim Ângela, região conhecida, até pouco tempo atrás, como a mais violenta do mundo e cujo cemitério mais próximo, no Jardim São Luiz, era apontado como o local em que havia mais jovens enterrados por metro quadrado. Ele registrou as imagens de jovens -desses que poderiam estar debaixo da terra, vítimas de um tiro-produzindo vídeos.
As imagens degradadas paulistanas, mescladas com a redenção da arte, estão levando o documentarista à cidade em que foi criado. Vai documentar o projeto de dança da coreógrafa Lia Rodrigues na favela da Maré. "É incrível o poder luminoso da arte nessa áreas sombrias."

gdimen@uol.com.br

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