São Paulo, sábado, 27 de fevereiro de 2010

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WALTER CENEVIVA

A era indecorosa


São frequentes as decisões políticas de punição por quebra do decoro, sem grandes melhoras do padrão

TODO agente público dos três poderes deve respeitar as regras do decoro. Nos parlamentares, o dever geral de conduta vem previsto em leis e regimentos, a contar da própria Constituição. Há exemplos desses deveres, inerentes a todos os momentos da vida legislativa, da dignidade da função, na tradição e da importância da câmara na qual atua. Deveres cujo exemplo mais atual é vivido (e aparentemente desrespeitado) no Executivo e no Legislativo, do Distrito Federal.
Invoco o decoro pela constância em que sua omissão aparece no noticiário, mas também por se tratar de palavra cuja relevância para a vida em comunidade, nasceu de preceitos estranhos à lei, ligados ao ser humano e à noção do que é digno. Produz reflexos em todos os momentos e circunstâncias da atuação do homem público. Na política atual há maus exemplos, denunciados aqui e vindos de fora. Aqueles e esses sugerem que as confusões do presente foram geradas pela velocidade das transformações radicais da vida em grupo, dos novos e crescentes meios de comunicação e na criação de costumes mutantes. Foi esse o caminho percorrido pelo decoro ante as normas criadas para o preservar, com sucessivos episódios negativos.
Na vida parlamentar brasileira se passaram anos desde o exemplo do deputado federal que se deixou fotografar em cuecas, para uma revista de grande circulação. Foi cassado por falta de decoro, num episódio até ingênuo. Nos anos passados, desde então, o nível piorou. Nos municípios e nos Estados brasileiros são frequentes as decisões políticas de punição por quebra do decoro, sem grandes melhoras do padrão. O político italiano Silvio Berlusconi correria algum risco de ser punido por falta de decoro em comportamentos revelados pela mídia. Risco amenizado porque, além da imensa fortuna, controla parte importante da televisão de seu país.
O leitor pode perguntar quais seriam as causas diretas do crescimento de eventos desmoralizantes cada vez que se cuida do nepotismo evidente, nos atos secretos e do dinheiro na meia, com variáveis que chegam mais raramente, até ao Judiciário. Na Inglaterra há uma versão original: fala-se do primeiro ministro tratando subordinados a tapa. Por toda parte vê-se o adversário severamente criticado de hoje passar a ser digno do melhor julgamento amanhã, por clara conveniência da hora que passa. A falta do decoro é grave: quebra o respeito e a consideração das instituições.
Idealmente o decoro deve ter permanência. Deve ser levado a sério, mesmo sendo palavra de muitos significados. No tratamento dos valores só se compreende o decoro como o comportamento correto independente do que a lei diga a respeito. Há algum tempo o presidente da República, que a representa, para todos os fins de direito, nacional e internacionalmente, chamou seus opositores no Senado de pizzaiolos, corruptela do italiano, designando os que transformam todas as irregularidades em pizza, com sacrifício do decoro. Daí a expressão "acabar em pizza" (já inserida no dicionário Houaiss). Quando as condutas indecorosas terminam esquecidas, "ajustadas" ou viram chacota, que eterniza o dito-pelo-não-dito, cria-se a falência das instituições. Seu oposto é o caminho para por fim da era indecorosa.


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