São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2001

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Método de alfabetização concebido nos anos 60 ainda é um dos mais utilizados no Brasil, mas recebe críticas por sua conotação política

Paulo Freire ainda vive na sala de aula

LEONARDO WERNER SILVA
DA EQUIPE DE TRAINEES

Apesar das críticas e controvérsias que surgiram nos mais de 30 anos desde a sua criação, o método Paulo Freire de alfabetização é ainda um dos mais utilizados no Brasil. O pensamento do educador é utilizado tanto nas aulas do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) quanto naquelas dadas por algumas universidades participantes do programa governamental Alfabetização Solidária. O método vigora até na Casa de Detenção do Carandiru.
A coordenadora do programa Alfabetização Solidária da Unesp (Universidade Estadual Paulista), Kathya Ayres de Godoy, acredita que o método ainda é o que mais gera resultados em adultos. "Acho menos adequado utilizar Freire em crianças", diz.
Para Kelli Mafort, pedagoga do MST, diz que o método freireano é importante para mostrar aos integrantes do Movimento a realidade em que vivem. "A luta dos sem-terra acaba sendo o próprio material didático das aulas."
A coordenadora científica do NEA (Núcleo de Estudos Sobre Alfabetização de Adultos) da USP de São Paulo, Stela Piconez, diz que o maior mérito de Paulo Freire foi ter centralizado o processo de alfabetização no educando.

Incômodo para militares
Paulo Reglus Neves Freire nasceu em 1921, em Recife (PE). Seu método ficou conhecido nacionalmente com o trabalho realizado na cidade de Angicos (RN), em 1963, onde Freire alfabetizou 300 trabalhadores rurais em 40 dias.
Por isso, foi chamado por Paulo de Tarso Santos, ministro da Educação do governo de João Goulart, para fazer uma campanha nacional de alfabetização. Em 1960, 39,6% dos brasileiros não sabiam ler nem escrever.
Previa-se a instalação de 20 mil "círculos de cultura" para 2 milhões de analfabetos em 1964. Em 14 de abril, o programa foi extinto pelo governo militar.
A técnica educacional crítica e com influência marxista incomodava os militares.
Ainda em 1964, Freire foi preso e obrigado a exilar-se na Bolívia e depois no Chile.
Lá, Paulo Freire escreveu "Pedagogia do Oprimido", obra que o consagrou em todo o mundo. O livro analisa o analfabetismo como meio de opressão e mostra o aprendizado como forma de transformação política. O educador morreu em 1997.

Doutrinação política
A coordenadora da ONG Alfalit (Alfabetização Através da Literatura), de São Paulo, Sônia Oliveira, critica o método Paulo Freire pelo seu uso político. "O método tornou-se ideologia", afirma.
Para Stela Piconez, a crítica deve ser feita aos "pedagogos que confundem conscientização com doutrinação política".
Já a pedagoga Natália de Souza Duarte diz que "o método está ultrapassado" e lamenta "o fato de ele ser o mais difundido no Brasil". Ela coordena o programa de alfabetização do Geempa (Grupo Sobre Educação, Metodologia de Pesquisa e Ação), ONG fundada pela deputada Esther Grossi (PT-RS), no Rio Grande do Sul.
O Geempa usa o método construtivista da psicóloga e pesquisadora argentina Emilia Ferreiro, que realizou um estudo sobre as etapas da criação de sentido das palavras na mente de crianças.
Segundo Moacir Gadotti, diretor do Instituto Paulo Freire em SP, o próprio educador disse que seu método apresentaria diferenças se fosse elaborado após os estudos de Ferreiro. "Freire sabia que o método teria que mudar com a incorporação de novas conquistas da ciência", afirma.


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