São Paulo, terça-feira, 27 de março de 2001

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Paz vigora nas aulas da Febem

DA EQUIPE DE TRAINEES

Às 7h, André, de 16 anos, se levanta e prepara para ir à escola. Junto com sua turma, ele caminha até onde irá ter as aulas de quarta série. Para estudar, André nem ao menos pode deixar o lugar onde vive: a Febem (Federação para o Bem-Estar do Menor), onde está internado há sete meses.
Com ele, estão cerca de 1.100 adolescentes, todos reunidos na unidade Tatuapé da Febem (zona sudeste de São Paulo). A infração de André foi ter assaltado e, por acidente, incendiado uma loja em Campos do Jordão (167 km de SP).
A Escola Oficina Rosmay Kara José, onde ele estuda, funciona numa casa situada em um local rodeado por árvores, que lembra mais uma escola pública convencional do que os prédios onde explodem com frequência rebeliões de adolescentes.
André chegou praticamente analfabeto na Febem. "Eu não conseguia ler nada direito. Eu lia gaguejando", conta. Com o pouco avanço obtido, ele já consegue ler cartas que seus parentes enviam.
Embalado pelas aulas, seu cúmplice na infração, Luiz, de 15 anos, já sonha ser um arquiteto quando deixar a Febem. "Se eu continuar nessa vida, só tem dois caminhos: ou eu morro ou eu fico paraplégico", afirma o garoto.
Segundo o diretor da escola, o pedagogo Fernando Gonçalves Mendes Júnior, a maioria dos internos que chegam a Tatuapé são como André e Luiz: têm alguma experiência escolar, mas não são totalmente alfabetizados. "Há jovens na quinta série que não conseguem ler uma palavra", diz.
Um levantamentos feito durante o ano 2000 mostra que 8,5% do total de internos da Febem são analfabetos.

Videoteca educativa
As aulas também não se distinguem das de uma escola comum, exceto pelo fato de que os alunos são levados a discutir sua própria situação e sobre como abandonar a criminalidade. Todos os professores são da rede pública municipal.
A escola conta também com uma videoteca que dispõe de filmes educativos. Como nem todos os títulos são dublados, monitores auxiliam os internos na leitura das legendas.
A coordenadora dos professores da escola, Rosane Jacino, diz que não ocorrem episódios de violência nas salas de aula. "Até os meninos que não querem assistir respeitam as aulas."
Apenas os internos de 3 das 13 unidades internas (UIs) da Febem Tatuapé têm direito a ter aulas na escola.

"Pequenas e sem janelas"
Por motivos que vão de falta de espaço à gravidade da infração cometida, cerca de 800 adolescentes têm aulas dentro das próprias unidades internas.
De acordo com o gerente de educação da Febem, o pedagogo João Ribeiro, existem salas em lugares pouco adequados. "As UIs 1,2, 5 e 15 têm salas pequenas e às vezes sem janelas."
Um funcionário que preferiu não se identificar disse que "essas salas são construídas em locais que ninguém mais quer usar para nada". Ele relata ainda que, na UI-19, existem 25 alunos de primeira à quarta séries unidos em apenas uma sala.
A Secretaria Estadual de Assistência e Desenvolvimento Social (que controla a Febem), através de sua assessoria, disse que as salas das unidades de Tatuapé não têm problemas.
O andamento das aulas nas unidades fechadas é prejudicado pela pressão psicológica.
"Na escola, o interno pelo menos dá uma volta ao ar livre e vai para um lugar mais agradável. Nas unidades, é como se você saísse do seu quarto, fosse para a cozinha tomar café e depois voltasse para o quarto para ter aulas", diz Mendes Júnior.
A Folha tentou acompanhar uma aula no interior da unidade, mas não obteve permissão. A assessoria de imprensa da secretaria alegou que temia pela segurança dos repórteres.
(Leonardo Werner Silva)


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